terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quero ser grande

Meus papos favoritos com a Sabrina quase sempre acontecem em trânsito. No carro, a pé, não importa: o ir e vir sempre traz as conversas mais instigantes e divertidas. E surpreendentes. Hoje, ao acompanhá-la até a casa de uma amiguinha, de novo.

A coisa começou com ela me dizendo, do nada, que quando ela morrer vai 'deixar pedido' que alguém a enterre bem do meu lado. Eu achei boa ideia passar o fim dos dias pegada com ela, mas expliquei que, na verdade, se fosse pra escolher, acho que eu preferia ser cremada. Ela sabe o que é cremação, pra minha surpresa. E perguntou onde eu queria que ela 'me jogasse'. 'Onde é o seu lugar favorito, mãe?'.

Eu disse que o meu lugar favorito, sempre, é onde estão ela, Lica e o Dono da Casa - não importa o cenário, me importa é a companhia. Mas que, depois de estar com eles ou estar na nossa casa, meu lugar favorito no mundo é Roma. E depois Londres. E depois San Francisco. E depois Paris, depois Verona, depois Florença e depois... ô, a lista segue longe. Sabrina curtiu o rumo da prosa.

Falou os lugares favoritos dela e acrescentou, como que avisando, que um dia a gente PRECISA ir pra Amazônia. Eu vibrei e contei pra ela que o meu sonho, na verdade, é cortar a Amazônia de barco. E que existe um navio bem do bonito que faz isso docemente, em quatro ou cinco dias, passeando naquela lindeza sobre as águas. Sasá quis saber se o rio ia dar no mar - e eu expliquei que sim, o rio sempre vai dar no mar, mas que o navio não chega ali porque o rio é longo demais. O maior de todos. 'Sabe que o Amazonas é tão comprido que não fica só no Brasil, pega outros países também, Sá?'.

Ao ouvir falar do Peru, ela achou engraçado um país com nome de ave. Falamos longamente sobre o Peru e como eu suspeito que Lima deve ser uma cidade bonita demais e como seria legal passar uns dias lá e outros em Cuzco, no caminho pra ir conhecer Machu Picchu. 'Machu Picchu! Eu ouvi falar desse lugar, mãe, que a vovó já foi lá. Como é Machu Picchu?'.

Esfregando as mãos, estalando dedos e limpando a garganta em puro delírio de poder falar sobre isso, contei pra ela sobre os dias populosos da cidade, como ela 'sumiu' e como foi redescoberta. Eu adoro a trajetória de Machu Picchu porque sempre me pareceu um misto de História de fato e conto misterioso de livro de aventuras. Animadíssima sobre o lugar, ela amou saber sobre o trem Vistadome, que leva turistas até lá hoje em dia, e torceu pra chegar logo o dia de ir ver ao vivo.

E aí franziu o cenho. E falou que fica preocupada de tanta gente ir pra lá e... e... 'e se as pessoas jogarem lixo lá??'. Bom, eu disse que esperamos que isso não aconteça. Que me parece que o tipo de turma que vai até lá é mais consciente e não vai ficar jogando lixo no chão e desgraçando um lugar tão especial. E aí:

'Mãe, eu vou crescer e virar lixeira. Dessas que vai em todos os países do mundo recolhendo lixo e acabando com ele. Tipo reciclagem, só que mais ainda. Sabe? Eu acho que eu vou fazer um clube do lixo, e a gente pode dar ideias pra acabar com ele. Porque imagina se o lixo fica tanto e tanto que começa a chegar no mar e nas cidades perdidas! E a gente não vai poder ver mais nada e descobrir as cidades perdidas que ainda não foram achadas! É, eu vou ser uma lixeira.'

A gente começa falando sobre morte, mas sempre envereda pra vida. Isso que eu adoro.





sábado, 25 de agosto de 2012

Da vida doméstica

Fácil desejar perder uns quatro quilos. Difícil fazer isso sem entrar no cheque especial. Porque queijo branco custa muito mais que muçarela; tudo o que é integral tem valor extra, assim como os orgânicos; quinoa vale mais que arroz, peixe tá pela hora da morte, o azeite extra-virgem é só pros milionários; e eu nem vou começar a falar sobre as castanhas. Se os esquilos soubessem o patrimônio que têm em patas, os humanos já teriam há muito sido dominados.

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Aliás, por falar em comida, eu peguei muito amor em um programa da TV a cabo chamado 'Cupom Mania'. Pode rir, mas é ciência pura, não mania: o show fala de pessoas que são, nos EUA, conhecidas como 'couponers'. As cuponeiras (maioria esmagadora de mulheres) são aquelas que não apenas recortam vales-compra dos jornais e revistas, mas imprimem na internet, escrevem para empresas pedindo os bônus e, no ato de compras de uns US$ 1.000, pagam menos de 10% disso. Cidadã me mata saindo do mercado com seis carrinhos de compras tendo desembolsado 20 mangos. Eu confesso que ainda não entendi por que, diabos, elas precisam estocar tanto molho de churrasco, isotônico e papel-toalha, mas vá lá: são itens que não estragam logo e podem mesmo ser estocados. Dono da Casa abomina 'Cupom Mania' com cada célula do corpo orgulhoso dele, mas eu acho que comprar um monte de produto de limpeza e artigos de toilette e pagar um nada só usando pedacinhos de papel é muita esperteza. E me corroo por dentro pensando por que, ó vida, isso ainda não existe nesse Brasil de preços absurdos.

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A TV anda mesmo me consumindo. Mas só a cabo. Se eu dependesse de televisão aberta eu já teria metido duas azeitonas na têmpora. A programação parece a mesma de 1978. Os programas de humor não me trazem um esboço de sorriso, só sobrancelhonas arqueadas em choque. Essas novelas pelas quais o povo se bate... sério, um festival de misoginia absurda e torturante. Silvio Santos está completamente gagá - e não de uma forma engraçada -, Luciano Huck só ganha mais e mais espaço e se eu ouvir a voz do Datena ou da Sônia Abrão por mais de 30 segundos minha língua enrola e eu estrebucho. Reclamam que a TV a cabo se repete muito e tem intervalos comerciais demais. Concordíssimo. Mas ainda prefiro rever 'A Lenda do Tesouro Perdido' e dizer junto cada fala do que entregar minh'alma pro Jornal Nacional.

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Essa secura me obriga a ligar o umidificador às 9h e desligar somente às 21h. Não posso abrir as janelas, porque um pó negro quase ácido invade a casa e as narinas dos menores de 8 anos, causando um bafafá. A mistura de calorzinho com névoa úmida está me fazendo crer que eu moro na Serra do Mar. Tô só esperando a chegada dos Bandeirantes.

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Viver cercada por duas menininhas doces e divertidas é tudo de melhor nessa existência. Mas como eu sinto falta de ter direito exclusivo ao banheiro... Ou eu estou no banheiro e ele é invadido por gente de cerca de 1 metro; ou eu já adentro o banheiro com elas no meu encalço, tomando a dianteira no espelho e espalhando livros pelo chão ou fazendo inventário do armarinho de cosméticos aos meus pés. Ao tomar banho, outro dia, pela enésima vez, o recinto foi violado - e vale avisar que o banheiro dá para a janela que dá para a rua que dá para outro prédio bem com as janelas sempre abertas. Se eu passar a cobrar dos vizinhos pelo peep-show, será que eu consigo comprar um banheiro só meu? Ou pelo menos uma tranca?

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Essa vida de estar muito em casa está me deixando monotemática. Preciso urgente sair desse círculo antes que eu comece a colocar bobes no cabelos e cobrir com um lenço, debruçar nas janelas e chamar a vizinhança pra café com bolo. Trabalhar em casa é lindo, mas se aproxima o dia de voltar a ter emprego, hein.


Pela hora da morte, minina...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Gentil

- Mãe, o que é isso que você passa no rosto?
- Maquiagem, Sá.
- Eu sei, mas o que é isso aí, do vidrinho?
- É base.
- Pra que serve?
- Ah, pra dar uma ajeitada no rosto, pra pele ficar com aparência mais bonita.
- Eu posso passar?
- Claro que não, você tem o rosto perfeito de verdade.
- Eu não tenho, não. Eu nem tenho as pintinhas no nariz que nem as suas.

Aí a gente dá uns vinte apertões e beijões, enxuga discretamente os olhos molhados e dá-lhe um tapinha no bumbum mandando voltar pro Reino da Fofura, que é de onde ela deve ter vindo.