sábado, 28 de julho de 2012

Adocica, meu amor, adocica

O que é que eu vou fazer se era superengraçado tirar barato das pessoas que usavam aquelas bolinhas açucaradas guardadas em vidrinhos? A gente lá, falando sobre ciência e pesquisas comprovadas e a relação causa/efeito e a ação das drogas calculadas e o povo querendo me convencer de que a tal homeopatia faria o serviço na base de torrões de sacarose? Ah, quer conversar sobre feitiçaria liga pro Merlin, obrigada.

Mas aí, passados esses talvez 20 anos... eu sucumbi. É, eu sei, pode começar a sarrear de volta. Eu traí as minhas crenças - aquelas que eu nem sei mais quais eram - e, há coisa de quatro meses, estou dando homeopatia pra fortalecer o sistema imunológico das minhas filhas. E, quando é o caso, tratar também nariz escorrendo e inflamaçõezinhas leves. Às vezes eu ainda rio ao pegar o vidro e contar 10 glóbulos e inserir na goela das pobres. Mas ó: chega um momento em que a gente faz praticamente qualquer negócio pra ganhar uma ajuda contra os males infantis. Feio é não dar uma chance pra novas artimanhas.

O caso é que era um tal de mês sim, mês também, ver menina com coisinhas de saúde. E isso vai transtornando a minha cabeça fraca. Eu posso mover um trem na unha, mas eu não domino vírus e bactérias (ainda). Então, dado o saco cheio com a alopatia, resolvi dar também uma chance pra nova pediatra, a moça de fala mansa, gestual de monge e cara de sacerdotisa, e suas beberagens. Quer dizer, assim fica parecendo que a Doutora Fátima é um mix de Fada do Carvalho com a Feiticeira do He-Man. Mas não, ela só joga nas duas frentes: entramos com o armamento pesado quando necessário, mas também apostamos na farmácia de manipulação e aquela coisa zen toda.

Bom, a rigor eles não dizem ter nada de zen, mágico ou supernatural na homeopatia. Eles dizem que é ciência pura. Eu ainda acho discutível uma receita que manda fabricar bolinhas doces com 'germes e poeira' e coisas do tipo. De vez em quando olho bem procurando também 'balinhas de goma', 'um toque de pirlimpimpim' e 'agora misture com amor e vire à direita até o amanhã'.

O caso todo é que, há quatro meses... a coisa vem funcionando. Pegam muito menos melecas e, quando pegam, saram em coisa de dia ou dois. É claro que tem o fato de as duas estarem crescendo e ficando mais fortes e mais sabidas e parando de lamber corrimão de shopping center à menor distração dos pais. Mas, não sei, acho que as bolinhas ajudam. E aquele outro vidrinho com o líquido que tem gosto de birita também.

O diabo da homeopatia é que eles querem que eu leve a sério, mas não me ajudam (eles, no caso, são todos os envolvidos: a pediatra, o farmacêutico manipulador, os autores de livros especializados e a minha irmã, que insiste nessa coisa faz 20 anos). Faço lá as bolotas; e depois vêm as recomendações. Mantenha longe do calor e em local seco e ventilado. Bom, até aí qualquer remédio pede isso. E também não pode deixar a coisa perto de aparelhos elétricos e ondas magnéticas. Complicou, porque aqui a casa é pequena.

Então eu não posso deixar no armário das louças, porque o microondas fica ao lado; não posso deixar na bancada porque é onde carregam-se celulares e tablets; não posso deixar na sala por causa do computador e da televisão e nem na pia, no guarda-comida ou em cima da geladeira, porque bate sol em tudo isso e viola a primeira regra. Não posso deixar no banheiro porque eu tomo banho quente e o recinto não tem janela- e, quando eu acabo o banho, o local ganha o apelido de As Brumas de Avalon. Não tenho onde deixar essas bolotas; acho que vou ensacar tudo, amarrar uma corda e pendurar pra fora da janela.

E tem também a administração. Não pode dar o liquidinho em colher de metal. Não pode dar com o estômago cheio. Olha, essas meninas comem o dia inteiro como dois pequenos búfalos. Nunca tem estômago vazio aqui, a gente é meio italiano! Como proceder?

Eu sei é que eu vou dando como posso e acho que vai dando certo. Mal, eu já vi que não faz. E as meninas curtem, é como uma sobremesa que ajuda a curar. Às vezes ainda faço a gracinha de dizer 'sabia que a palavra homeopatia vem do grego homeo = bolinha e patia = açúcar?'. Mas aceito perder a piada se for pra viver com a saúde das menores mais em paz.


E, além de tudo, parecem sagu

domingo, 1 de julho de 2012

Kuda para sempre

A rigor, vale dizer que, se me pedissem pra desenhar o rosto da Kuda, eu com certeza acabaria errando em quase tudo. É que eu só a vi, e de relance, uma única vez. Foi no lançamento do livro que escrevi com minhas sempre sócias, Clarissa e Vivi. A Kuda, tia da Vivi, foi nos prestigiar - e apesar de querer muito agarrar nas mãos delas e agradecer por tudo e mais um pouco, a pilha de livros acumulada me impediu da tietagem explícita. Foi uma pena. Foi uma pena que, na semana que passou, eu tenha perdido em definitivo a chance de dizer pessoalmente pra Kuda como eu a admirava.

Eu não saberia dizer o nome completo da Kuda, o endereço dela, qual carro dirigia - e mesmo se ela dirigia. Mas eu sei que a Kuda era exímia trabalhadeira manual, boa de cozinha, dona de dedos verdes pras plantas crescerem lindas. Sei que ela também era chapa de santinhos que providencialmente atendiam suas preces (e ajudavam todos nós nessa doce tabela). Sei que ela tinha dois filhos que são dois príncipes e que pensava em comprar um sítio. Eu passei a semana pensando na Kuda, em como esse sítio teria sido um paraíso pelas mãos dessa mulher e em tudo isso que a gente é.

Por causa da Kuda é que eu sempre relembro à Sabrina que ela 'fala mais que o homem da cobra'. O significado da parábola foi embora com a Kuda, eu acho, mas pra mim vai seguir fazendo sentindo. Ou sentido nenhum, mas eu repito porque é engraçado demais pra não utilizar.

A Kuda, sem saber, me ensinou um bocado - porque ela ensinou pra Vivi, que me repassou. Mas o que ela me mostrou melhor e afinal foi algo que todo mundo deveria matutar um pouco: o que a gente faz, diz, pratica não fica só com a gente ou com aquela meia dúzia de sempre. Muita coisa transcende, especialmente quando a gente é capaz de ser tão incrível a ponto de deixar um positivo legado.

Não precisa ser o legado maior do mundo - a fortuna do Eike, os gols do Pelé, a boca da Jolie. Que seja uma receita de torta fantástica. Que seja um gesto característico. Que seja um modo de agir que toque mais outro alguém. A gente é capaz de marcar quem a gente nem conhece quando faz algo bem feito.

Em tempos de comunicação muito ligeira, quando os dedos às vezes trabalham mais rápido que o bom senso, tudo o que a gente reflete e espalha vai lá tocar em alguém, é certeza. Muitíssimas vezes, em quem a gente nem sequer imagina. Então, se for o caso, levar uma vida preciosa e espalhar boas coisas é a melhor escolha de todas. O que a gente pode fazer de bem feito vai tomar força.

A Kuda fez tudo muito, muito bem feito. Por isso que ela pode ter ido embora de um certo modo, mas nunca por completo. Quem ela era vai ficar, se traduzindo em ações que ela semeou aqui, ali, acolá... E quem, como eu, não a conheceu também pode aprender bastante com isso.