quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Fogo no pavio, nas panelas, no coração

Eu gosto mesmo de Natal. Pega eu, você e seu emburramento com o Natal.

Eu gosto do rito em si que traz com ele o fim do ano e uma mudança clássica - a do calendário e a da vida mesmo.

Eu gosto de ter 'O Grande Dia de Montar a Árvore'. Eu gosto de tocar um CD bem vagabundo com Jingle Bells cantado em inglês, espanhol e turco. Gosto de tirar a poeira de todas as caixas de enfeites, de erguer aquela árvore artificial safada e pedir a ajuda das crianças pra criar o encanto com brocado vermelho, laçarotes e a estrela de arame na ponteira.

Eu gosto de acrescentar estrelinhas em todos os puxadores de gaveta e de sair à caça de presentinhos pra todos os envolvidos. O tio da perua ganhou chocolates. As professoras ganharam sabonetes cheirosos. O Papai Noel recebeu carta - e retificação, porque um detalhe importante foi esquecido. Eu não gosto do trânsito no shopping, por isso eu compro a maioria das coisas nas ruas, mas... ah, eu vou no shopping sim, tem lá um idoso vestido de vermelho que cede balas, é legal.

Eu gosto de pensar no cardápio e na arrumação da mesa. Eu gosto de peru. Gosto mesmo, pode tirar sarro: eu gosto de peru no Natal e sonho com o dia em que finalmente as pessoas passarão a noite na minha casa. Já sonhei tudo: eu vou assar o peru com manteiga à beça e levá-lo à mesa inteiro. Vou fazer arroz com amêndoas e molho em separado, além de farofa sem coisas doces e uma torta gostosa e legumes grelhados com sal grosso e azeite e ervas. E eu vou fazer drinques fortes e servir champanhe de verdade em taças de verdade. E eu vou usar um vestido vermelho. E eu vou ligar o ar condicionado na casa dos 19 graus, assim a gente não entra em combustão espontânea.

Eu gosto de ver a carinha das crianças abrindo os presentes... Eu gosto de ver a cara de todo mundo abrindo os presentes. Eu odeio amigo secreto e brincadeiras tipo 'inimigo secreto' - mas posso viver com ela se a maioria achar engraçado, vai. Céus.

Eu gosto de tudo sobre o Natal, e olha que eu não sou nem nunca fui católica (a despeito do que diz o meu fabuloso 'certificado de Primeira Comunhão'). Eu gosto do espírito. De dar e acolher, de esquecer as desavenças e curtir o momento, de entrar numa vibe positiva e num futuro melhor e mais divertido.

O diabo é que eu esmoreço às vezes e saio do espírito. Especialmente quando as pessoas:

- estão mais preocupadas com a grana gasta no presente do que com o regalo em si;
- estão loucamente preocupadas em não sujar seus fogões e em lavar a louça;
- estão insanamente preocupadas com pingos de vinho no tapete;
- estão dando uma banana para a alegria em grupo e só focam no saco cheio individual;
- estão dizendo 'não vejo a hora de acabar essa coisa de Natal';

À esses, o meu pesar. Poderia sugerir um toque de canela aqui, um chapéu de feltro bicolor ali... Mas eu não vou sugerir nada. Cada um tem modo próprio de encarar cada data. Eu não saio correndo atrás do trio-elétrico no Carnaval, então não fico dizendo quem tem que embrulhar pacotes com papel colorido e fita.

Eu posso dizer uma coisa, porém: o Natal pode ser uma ótima oportunidade de fazer uma seleção mental de pessoas e situações e pinçar ali o que é importante de verdade. Não necessita tender bolinha com molho agridoce ou meias decoradas presas no batente por isso, eu sei, pode ser feito em qualquer dia. Mas ritos são sempre valorosos. Ajudam a gente a se posicionar sobre o mundo. Eu me posiciono a favor da festança, de um brinde com borbulhas e de um abraço sincero e apertado.

Sinta-se abraçado por mim nesse Natal! Mesmo você aí, emburradinho.




quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tumdum, tumdum

Eu só precisava que alguém escutasse o meu coração. Escutasse mesmo, pra valer, prestando atenção em mim e nos detalhes. Ouvisse com calma e cuidado e sem pressa, que não pode escutar um coração com pressa. E pode esquecer a filosofia, eu queria realmente que alguém escutasse o meu coração - assim, com estetoscópio mesmo.

Mas achar um(a) doutor(a) que fizesse isso parecia impossível como encontrar panetone sem caixa amassada no Pão de Açúcar. Ninguém queria. Ninguém queria botar a coisinha grudada no peito e escutar, ninguém queria medir sequer a pressão arterial. Percebi que, hoje, isso compromete: se a pessoa estiver tendo um ataque, quem escutou e mediu precisa socorrer. E deus nos livre de ter que socorrer um atacado, né? Amém!

Ninguém queria escutar e, aquele que foi obrigado, fez marromêno. E me mandou acalmar. Ora, se isso fosse possível eu não precisaria me abalar até o local de atendimento de enfermos e pagar 20 paus de estacionamento, eu só me acalmava e pronto. Mas não era tão fácil. E não era nada grave também, parece. Mas ninguém podia escutar?

Aí uma boa alma me indicou um bom profissional. E eu fiquei pas-ma. Doutor José me atendeu, ouviu e falou muito pouco. Bem pouco mesmo - o que deixa uma verborrágica incorrigível como eu muito incomodada. Eu queria médico que falasse um monte, horas, num bate-papo-clínico de sonho (sonho hipocondríaco, eu sei). Bom, ele falava pouco, mas agia.

Doutor José, pas-mem, me mandou subir numa maca toda profissa e com papel arrumadinho por cima. ME OLHOU NOS OLHOS! Quase apaixonei, porque acho que nenhum médico me olha nos olhos desde a Clínica Modelo, em São Bernardo do Campo, nos idos de 1978, quando eu ganhava pirulito no final.

Olhou nos olhos, baixou a região da olheira com cuidado, mandou olhar pra cima. Acho que um médico não faz isso desde 1978 mesmo - não só comigo, com todos no planeta todo. Tomou pulso no pulso. Mediu a pressão! Ó, e nem foi preso por isso.

Então ele mandou deitar na maca. Deve fazer tanto tempo que um médico não faz exame assim de paciente que poderia até ser considerado assédio. Mas não era, era sapiência. Ele apertou a barriga, ele apertou o pescoço, ele apertou até minhas canelas. Ele escutou o peito com a coisinha de escutar. Me senti com três anos de novo. E contente.

Doutor José pediu uma bateria de exames os mais bestas e padrão, só pra saber como eu vou no geral. Já avisou que estresse is a bitch (não com essas palavras) e muito do que eu sinto parece muito vir daí. Mas ele quer checar tudo direitinho e, resultados em mãos, me mostrar a luz no fim do túnel - a boa, não aquela que nos leva pro campo de golfe nas estrelas.

O consultório dele é daqueles que tem escrito na plaquinha 'Doutor José XXXX', clínico geral. Eu gosto de clínicos gerais. Eles são como pão com manteiga - é simples, é corriqueiro, mas sana todos os aspectos da fome e fica na nossa memória e coração (poética e fisiologicamente).

Doutor José, se falasse só um tico mais e fizesse umas piadas sobre verminose, seria eleito meu guru para sempre. Eu ainda preciso ver se ele vai se adequar - porque eu sou iludida quanto à prática médica, como explicado aqui. Mas tem grande chance. Ele ouviu meu coração, isso é sinal e tanto.





segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Under pressure

Todo mundo que eu conheço é um pouco estressado. Um pouco ou muito. Relax mesmo, mesmo mesmo, só uns três ou quatro - e um deles eu diria que é mais pra morto-vivo, daí a pressão baixa. Porque a minha também é alta. Eu estou aí na seara dos estressados. Eu nem diria, vá, estressada: eu sou irritada, mandona, histérica, implacável, meio grossa, paranoica e muito, muito hipocondríaca. Eu acho que eu sou hipocondríaca por causa de todo o resto. E aí o ciclo é que eu fico nervosa, estresso e em seguida começo a sentir dores de cabeça, dores nas costas, uma pontada no pescoço, formigamento... é tumor cerebral, eu sei que é.

Foi o que eu disse pro doutor Thiago no PS quando ele me atendeu. Eu vinha de episódios de muita pressão alta - que ele minimizou dizendo que nem era tudo isso de alta e que essas medições de máquina de farmácia são tão precisas quanto os atacantes da seleção de futebol da Malásia. Ele me disse pra ir embora relaxar, comer menos sal, fazer exercícios pelamordedeus e, caso persistissem os sintomas, consultar um médico. Eu pensei que era isso que eu estava fazendo... Mas ok, o doutor Thiago tinha mesmo uns 14 anos, acho. Eu sempre acho que os médicos que não são grisalhos e não usam suspensórios e bengala são crianças e sabem nada. Desculpem, médicos.

Mas daí parece que não era um tumor cerebral mesmo (apesar de terem se recusado a fazer a tomografia). Parece que era estresse. Ainda é, porque o pescoço duro está aqui comigo. A moça do laboratório que colheu três tupperwares de sangue meu hoje mediu a pressão e disse 13 por 8. Disse que o que eu tenho deve ser "pressão alta causada por jaleco branco", dado meu nervoso com doutores. Como ela usava cinza e ficou me falando sobre a árvore que caiu ontem com a chuva, hoje a pressão está boa. Boa, não ótima. Eu quero estar sempre ótima, não boa.

Em minha defesa eu quero explicar: eu tenho medo de morrer. Até o dia 29 de janeiro de 2005, eu tinha ZERO medo de morrer. Zero mesmo. Era capaz de planejar os quitutes do meu funeral e decidir sobre o lançamento das cinzas sem piscar ou derramar uma lágrima. No dia 30 a Sabrina nasceu e eu passei a ter muito medo de deixar a coisa mais preciosa do mundo sem eira nem beira. E isso ficou latente até 19 de setembro de 2010, quando então nasceu a Olívia e o medo de morrer virou pânico profundo, um abismo negro e cheio de limo de tormenta e desespero. Freud explica?

Bom, se ele não explica, eu sim. Ficou tudo tão deliciosamente legal e perfeito que eu não quero mais não ter isso. Eu amo o Dono da Casa com todos os meus órgãos vitais e essas duas meninas me completam. Quem abriria mão disso impunemente? E quem não teria medo do tumor cerebral? Quem, quem??

Além disso, eu sonho com muitas coisas. Os lugares que eu quero ir, por exemplo. E se eu morrer sem ver Praga, Viena, Budapeste e Moscou? E se eu perder a chance de molhar os pés nas praias do Cabo San Lucas ou jamais ver as cerejeiras em flor no Japão? Eu ainda quero tanto... Quero tanto ver a África, a Oceania, seis territórios na Ásia e todo o exército amarelo... E se?

O diabo de tudo isso é conseguir respirar fundo (sem sentir uma pontada no peito e achar que é ataque... ok, eu paro). E depois perceber que esse é um comportamento muito ridículo e inútil e sair do ciclo de cabecear toxinas do mal para o meu próprio sangue. É parar, raciocinar e deixar de pensar porcaria. E seguir com o jogo.

Um jogo que fica estacionado por semanas quando eu entro nessas. Não fui almoçar com o Tércio pra comemorar o aniversário dele. Não mandei aquele email de trabalho que vai resultar num projeto bacanudo. Não fui visitar o meu irmão. Não ajudei minha irmã com a louça de domingo. Não terminei minhas obrigações (nem as chatas nem as legais). Disse muito não e bem pouco sim.

Peço desculpas a todos os envolvidos. Até pra minha acupunturista e pajé Stella - por ser um monolito difícil de trabalhar e por não conseguir soltar a cabeça. Eu não solto a cabeça nas mãos dela por nada no mundo, não sei por que. Acho que eu não solto a cabeça e fim. Mas não gosto e quero mudar. Eu quero soltar a cabeça. Soltar a cabeça, deixar a pia suja e a máquina de lavar lotada, os sapatos espalhados.

Eu quero ser menos ágil ao volante e menos católica com horários marcados (afinal, eu sempre acabo esperando todo mundo por 20 minutos mesmo). Eu quero respirar até dar aquela vertigenzinha sem achar que isso é câncer de pulmão! Eu quero só menos estresse. Pra mim e pra todos nós.

Eu podia ir de Queen, mas eu vou de Frankie

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mas eu não entendo

Ah, bom, tem só umas 897 mil coisas que eu não entendo sobre a humanidade. Que alguém passe fome, por exemplo. Que crianças sejam obrigadas a sofrer com a guerra. E que, diabos, alguém que usa calça saruel se ache com razão pra criticar o meu crocs. Mas, dentre as coisas que eu não entendo, discutamos só duas hoje:

- Homem após homem, mulher após mulher
Não é sobre a insensata divisão heteros e homos. Bom, até é, que os heteros têm umas ideias... O que eu não entendo é, ainda hoje, o Dono da Casa ouvir algo como "vocês vão ter um terceiro filho? Cê não gostaria de tentar um menino?". Deixa ver: o pessoal acha que homem quer ter filho homem pra ter onde depositar a perpetuação de sua espécie, é isso? E que as mães querem ter meninas pra poder repassar toda sua feminilidade pra outra geração? Que coisa mais esquisita. Eu não sei por que o Dono da Casa sequer viria a cogitar isso. Vieram duas meninas pra nós - e, depois disso, ele é comemorado, endeusado, acarinhado e abalroado e agarrado todos os dias assim que põe o primeiro pé em casa. Por duas meninas que simplesmente o adoram e topam todas as paradas dele (como jogar bola, jogar freesbee, caçar tatu-bola, pegar fruta no pé ou qualquer barbaridade).  Quem disse que um moleque faria melhor ou mesmo diferente? Coisa mais ininteligível.

- Essa coisa de pirar com namoricos e a posse
Se tiver uma explicação científica, é essa que eu quero. Porque a do "mas eu aaaaamo ele(a)" não reconheço. Eu sei que é difícil só gostar de quem gosta da gente. Eu sei que tem gente sensacional demais pra não ser amada e desejada. Mas daí a pessoa não quer nossa companhia, não aceita nossos gracejos e abraços e beijinhos e carinho sem ter fim, e não quer  passear de mãos dadas com a gente e fica brava quando descobre que a gente fuçou no celular dela e que ligou pra ela e desligou aquelas 87 vezes no fim de semana e não achou graça de nos achar escondidos debaixo de sua cama e... acabou, né? Segue o jogo, por favor. Bota a pessoa no arquivo da mente e começa a olhar em volta, porque provavelmente está-se deixando passar muita gente boa. E chorar no cantinho é válido por algumas semanas ou até uns meses. Depois para, que isso vai ser tão válido e eficiente na sua vida quanto o uso de aparelhos de ginástica da Polishop.

E se você não me entender, eu tento explicar de novo. O que nunca se explica.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O bonde das tigronas

Quando a Sabrina nasceu, eu admito que mudei bem pouco a minha vida. Eu já trabalhava em casa e assim continuei; eu nunca fui mesmo de balada forte regada a coisa que parece produto pra limpar janela e segui me satisfazendo com a pizza da sexta à noite; eu e o Dono da Casa gostávamos bem de viajar - e foi fácil botar a criança na mochila e girar o mundo do mesmo jeito. Nessa última questão, eu admito que virei alvo da patrulha: metade achava um absurdo viajar com criança pequena, metade achava que a gente até podia ir, mas que devia ficar aqui pertinho, ir comer uma lula frita no Embaré já era lucro e tals... Olha, talvez a coisa que eu tenha menos mudado com o nascimento da Sabrina foi que continuei dando picas pra opinião dos outros.

Achava absolutamente ridículo imaginar viajar sem a minha criança. Achava estúpido quando me diziam que já estava bom ter cuidado dela por um ano e meio até mandar na escola e devia voltar a trabalhar fora. Achava uma cretinice aquela coisa que outras mães diziam sobre "precisar de um tempo só com o marido". Hoje eu acho que cada um pensa o que quiser - e mudei só alguns pontinhos.

Bom, ainda acho incrivelmente estranho não estar perto da Sabrina e da Olívia, que chegou pra botar mais malas no bagageiro do avião e afazeres na "to-do-list" diária. Mas confesso que canso mais rápido e às vezes peço arrego. Sou eu quem faz a comida, dá a comida, dá comida no sentido de bronca mesmo. Sou eu quem levo, busco e canto junto no caminho. Sou eu quem veste, banha, acarinha, ajuda na lição, discute sobre a moral de "Esqueceram de Mim" no que concerne à atuação da família na formação de caráter. Sou eu quem está pro que der e vier - contando só com a ajuda providencial do Dono da Casa, mais ninguém. Estar sem crianças por perto é esquisito.

Mas, depois de 7 anos amando essa dinâmica, esse ano eu descobri a beleza de passar cinco dias longe de tudo isso. Ganhei de presente do Dono da Casa uma passagem para encontrar minha amada amiga no estrangeiro - e passei quase uma semana batendo perna e papo. Foi uma DOIDEIRA.

Nos dois primeiros dias eu, por várias vezes, batia a mão nas cadeiras procurando chaves, carteira ou sacolas imaginárias - pra depois sacar que eu não tinha esquecido nada disso, eu tinha é crianças a menos pra cuidar. No almoço ou jantar, era o sentimento mais maluco não precisar levar ninguém ao banheiro ou fazer colheradas de comida ou desenhar no jogo americano. Éramos só eu, minha amiga, os quitutes e quantos minutos eu quisesse apreciando o cheiro do café.

Isso foi de uma importância pra minha organização mental difícil de descrever. Mas eu tento: eu estava ficando louca e esgotada e os dias de folga vieram a permitir que eu não me jogasse da janela ou mordesse um transeunte na rua. Eu curti sem culpa alguma e voltei nova pra ser uma mãe melhor.

Quando outros caras casados souberam do que o Dono da Casa me proporcionou com seu plano de milhas aéreas, acho que ele quase virou alvo de atentado. De novo, metade achou que a gente estivesse se separando e a outra metade achou que ele fez isso pra compensar alguma bela merda que tinha feito comigo. Não foi. Ele fez por amor. E eu aceitei por amor também.

O caso é que, deixar um pouco esse palco e ir ali ser só eu mesma, não a mãe, a jornalista, a motorista, a cozinheira, a equilibrista e a mulher barbada do circo (quem tem tempo pra estética?), foi bom pra todos nós. Em muitas casas as coisas são até divididas mais igualmente, com pais e mães meiando as tarefas, mas sendo eu quem fica mais em casa, natural que me sobrem mais atividades. Assim, eu estar na total posse das minhas faculdades mentais é importante pra todos aqui. Como muitas mamães precisam. "Happy wife, happy life", é o que seu sempre digo...

Algumas amigas quiseram saber como foi isso e se "Dono da Casa deu conta". Ele deu conta - ele é um adulto saudável e inteligente, com dois braços e duas pernas e amado pelas filhas, como poderia dar alguma coisa errada? Elas queriam é saber mesmo, eu acho, se funcionaria pra elas. E se a vontade e a coragem vierem, eu sugiro que todas tentem. Eu acho até que as agências de turismo estão perdendo tempo ao não criar um produto específico para mães. Pode chamar até "Mães em Férias da Porra da Rotina".

Podiam criar esse pacote de cinco dias em cidades encantadoras, cheias de museus e restaurantes onde a gente come o que quiser e não o que precisa dividir com os filhos, e curte umas profundas respiradas e um tempo pra ler no parque ou uma noite toda dormindo em "X" na cama do hotel glamouroso. Ou que seja numa barraca no mato, nem importa.

O que importa mesmo é entender que, sim, as pessoas que são as maiores responsáveis pela logística da família merecem e precisam de um tempo de vez em quando. Precisam recuperar um tempo pra si - pra pensar, pra  refletir, pra fazer nada ou só pra tomar um banho completo sem gente invadindo o banheiro berrando "manhêêê, cadê o meu coisinho?".

Eu fui, vi e fiquei bem, assim como todo o meu pessoal. Quem quiser entrar nesse bonde tem o meu apoio e o meu apreço. É uma mudança valorosa para um dia a dia alegre, mas complexo, e uma boa chance de ignorar o que todo mundo acha e ir ficar contente e dominar a própria vida por uns poucos dias. Na volta, contem-me tudo!


Mamãe vai ali e já vem


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quero ser grande

Meus papos favoritos com a Sabrina quase sempre acontecem em trânsito. No carro, a pé, não importa: o ir e vir sempre traz as conversas mais instigantes e divertidas. E surpreendentes. Hoje, ao acompanhá-la até a casa de uma amiguinha, de novo.

A coisa começou com ela me dizendo, do nada, que quando ela morrer vai 'deixar pedido' que alguém a enterre bem do meu lado. Eu achei boa ideia passar o fim dos dias pegada com ela, mas expliquei que, na verdade, se fosse pra escolher, acho que eu preferia ser cremada. Ela sabe o que é cremação, pra minha surpresa. E perguntou onde eu queria que ela 'me jogasse'. 'Onde é o seu lugar favorito, mãe?'.

Eu disse que o meu lugar favorito, sempre, é onde estão ela, Lica e o Dono da Casa - não importa o cenário, me importa é a companhia. Mas que, depois de estar com eles ou estar na nossa casa, meu lugar favorito no mundo é Roma. E depois Londres. E depois San Francisco. E depois Paris, depois Verona, depois Florença e depois... ô, a lista segue longe. Sabrina curtiu o rumo da prosa.

Falou os lugares favoritos dela e acrescentou, como que avisando, que um dia a gente PRECISA ir pra Amazônia. Eu vibrei e contei pra ela que o meu sonho, na verdade, é cortar a Amazônia de barco. E que existe um navio bem do bonito que faz isso docemente, em quatro ou cinco dias, passeando naquela lindeza sobre as águas. Sasá quis saber se o rio ia dar no mar - e eu expliquei que sim, o rio sempre vai dar no mar, mas que o navio não chega ali porque o rio é longo demais. O maior de todos. 'Sabe que o Amazonas é tão comprido que não fica só no Brasil, pega outros países também, Sá?'.

Ao ouvir falar do Peru, ela achou engraçado um país com nome de ave. Falamos longamente sobre o Peru e como eu suspeito que Lima deve ser uma cidade bonita demais e como seria legal passar uns dias lá e outros em Cuzco, no caminho pra ir conhecer Machu Picchu. 'Machu Picchu! Eu ouvi falar desse lugar, mãe, que a vovó já foi lá. Como é Machu Picchu?'.

Esfregando as mãos, estalando dedos e limpando a garganta em puro delírio de poder falar sobre isso, contei pra ela sobre os dias populosos da cidade, como ela 'sumiu' e como foi redescoberta. Eu adoro a trajetória de Machu Picchu porque sempre me pareceu um misto de História de fato e conto misterioso de livro de aventuras. Animadíssima sobre o lugar, ela amou saber sobre o trem Vistadome, que leva turistas até lá hoje em dia, e torceu pra chegar logo o dia de ir ver ao vivo.

E aí franziu o cenho. E falou que fica preocupada de tanta gente ir pra lá e... e... 'e se as pessoas jogarem lixo lá??'. Bom, eu disse que esperamos que isso não aconteça. Que me parece que o tipo de turma que vai até lá é mais consciente e não vai ficar jogando lixo no chão e desgraçando um lugar tão especial. E aí:

'Mãe, eu vou crescer e virar lixeira. Dessas que vai em todos os países do mundo recolhendo lixo e acabando com ele. Tipo reciclagem, só que mais ainda. Sabe? Eu acho que eu vou fazer um clube do lixo, e a gente pode dar ideias pra acabar com ele. Porque imagina se o lixo fica tanto e tanto que começa a chegar no mar e nas cidades perdidas! E a gente não vai poder ver mais nada e descobrir as cidades perdidas que ainda não foram achadas! É, eu vou ser uma lixeira.'

A gente começa falando sobre morte, mas sempre envereda pra vida. Isso que eu adoro.





sábado, 25 de agosto de 2012

Da vida doméstica

Fácil desejar perder uns quatro quilos. Difícil fazer isso sem entrar no cheque especial. Porque queijo branco custa muito mais que muçarela; tudo o que é integral tem valor extra, assim como os orgânicos; quinoa vale mais que arroz, peixe tá pela hora da morte, o azeite extra-virgem é só pros milionários; e eu nem vou começar a falar sobre as castanhas. Se os esquilos soubessem o patrimônio que têm em patas, os humanos já teriam há muito sido dominados.

* * * * *

Aliás, por falar em comida, eu peguei muito amor em um programa da TV a cabo chamado 'Cupom Mania'. Pode rir, mas é ciência pura, não mania: o show fala de pessoas que são, nos EUA, conhecidas como 'couponers'. As cuponeiras (maioria esmagadora de mulheres) são aquelas que não apenas recortam vales-compra dos jornais e revistas, mas imprimem na internet, escrevem para empresas pedindo os bônus e, no ato de compras de uns US$ 1.000, pagam menos de 10% disso. Cidadã me mata saindo do mercado com seis carrinhos de compras tendo desembolsado 20 mangos. Eu confesso que ainda não entendi por que, diabos, elas precisam estocar tanto molho de churrasco, isotônico e papel-toalha, mas vá lá: são itens que não estragam logo e podem mesmo ser estocados. Dono da Casa abomina 'Cupom Mania' com cada célula do corpo orgulhoso dele, mas eu acho que comprar um monte de produto de limpeza e artigos de toilette e pagar um nada só usando pedacinhos de papel é muita esperteza. E me corroo por dentro pensando por que, ó vida, isso ainda não existe nesse Brasil de preços absurdos.

* * * * *

A TV anda mesmo me consumindo. Mas só a cabo. Se eu dependesse de televisão aberta eu já teria metido duas azeitonas na têmpora. A programação parece a mesma de 1978. Os programas de humor não me trazem um esboço de sorriso, só sobrancelhonas arqueadas em choque. Essas novelas pelas quais o povo se bate... sério, um festival de misoginia absurda e torturante. Silvio Santos está completamente gagá - e não de uma forma engraçada -, Luciano Huck só ganha mais e mais espaço e se eu ouvir a voz do Datena ou da Sônia Abrão por mais de 30 segundos minha língua enrola e eu estrebucho. Reclamam que a TV a cabo se repete muito e tem intervalos comerciais demais. Concordíssimo. Mas ainda prefiro rever 'A Lenda do Tesouro Perdido' e dizer junto cada fala do que entregar minh'alma pro Jornal Nacional.

* * * * *

Essa secura me obriga a ligar o umidificador às 9h e desligar somente às 21h. Não posso abrir as janelas, porque um pó negro quase ácido invade a casa e as narinas dos menores de 8 anos, causando um bafafá. A mistura de calorzinho com névoa úmida está me fazendo crer que eu moro na Serra do Mar. Tô só esperando a chegada dos Bandeirantes.

* * * * *

Viver cercada por duas menininhas doces e divertidas é tudo de melhor nessa existência. Mas como eu sinto falta de ter direito exclusivo ao banheiro... Ou eu estou no banheiro e ele é invadido por gente de cerca de 1 metro; ou eu já adentro o banheiro com elas no meu encalço, tomando a dianteira no espelho e espalhando livros pelo chão ou fazendo inventário do armarinho de cosméticos aos meus pés. Ao tomar banho, outro dia, pela enésima vez, o recinto foi violado - e vale avisar que o banheiro dá para a janela que dá para a rua que dá para outro prédio bem com as janelas sempre abertas. Se eu passar a cobrar dos vizinhos pelo peep-show, será que eu consigo comprar um banheiro só meu? Ou pelo menos uma tranca?

* * * * *

Essa vida de estar muito em casa está me deixando monotemática. Preciso urgente sair desse círculo antes que eu comece a colocar bobes no cabelos e cobrir com um lenço, debruçar nas janelas e chamar a vizinhança pra café com bolo. Trabalhar em casa é lindo, mas se aproxima o dia de voltar a ter emprego, hein.


Pela hora da morte, minina...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Gentil

- Mãe, o que é isso que você passa no rosto?
- Maquiagem, Sá.
- Eu sei, mas o que é isso aí, do vidrinho?
- É base.
- Pra que serve?
- Ah, pra dar uma ajeitada no rosto, pra pele ficar com aparência mais bonita.
- Eu posso passar?
- Claro que não, você tem o rosto perfeito de verdade.
- Eu não tenho, não. Eu nem tenho as pintinhas no nariz que nem as suas.

Aí a gente dá uns vinte apertões e beijões, enxuga discretamente os olhos molhados e dá-lhe um tapinha no bumbum mandando voltar pro Reino da Fofura, que é de onde ela deve ter vindo.

sábado, 28 de julho de 2012

Adocica, meu amor, adocica

O que é que eu vou fazer se era superengraçado tirar barato das pessoas que usavam aquelas bolinhas açucaradas guardadas em vidrinhos? A gente lá, falando sobre ciência e pesquisas comprovadas e a relação causa/efeito e a ação das drogas calculadas e o povo querendo me convencer de que a tal homeopatia faria o serviço na base de torrões de sacarose? Ah, quer conversar sobre feitiçaria liga pro Merlin, obrigada.

Mas aí, passados esses talvez 20 anos... eu sucumbi. É, eu sei, pode começar a sarrear de volta. Eu traí as minhas crenças - aquelas que eu nem sei mais quais eram - e, há coisa de quatro meses, estou dando homeopatia pra fortalecer o sistema imunológico das minhas filhas. E, quando é o caso, tratar também nariz escorrendo e inflamaçõezinhas leves. Às vezes eu ainda rio ao pegar o vidro e contar 10 glóbulos e inserir na goela das pobres. Mas ó: chega um momento em que a gente faz praticamente qualquer negócio pra ganhar uma ajuda contra os males infantis. Feio é não dar uma chance pra novas artimanhas.

O caso é que era um tal de mês sim, mês também, ver menina com coisinhas de saúde. E isso vai transtornando a minha cabeça fraca. Eu posso mover um trem na unha, mas eu não domino vírus e bactérias (ainda). Então, dado o saco cheio com a alopatia, resolvi dar também uma chance pra nova pediatra, a moça de fala mansa, gestual de monge e cara de sacerdotisa, e suas beberagens. Quer dizer, assim fica parecendo que a Doutora Fátima é um mix de Fada do Carvalho com a Feiticeira do He-Man. Mas não, ela só joga nas duas frentes: entramos com o armamento pesado quando necessário, mas também apostamos na farmácia de manipulação e aquela coisa zen toda.

Bom, a rigor eles não dizem ter nada de zen, mágico ou supernatural na homeopatia. Eles dizem que é ciência pura. Eu ainda acho discutível uma receita que manda fabricar bolinhas doces com 'germes e poeira' e coisas do tipo. De vez em quando olho bem procurando também 'balinhas de goma', 'um toque de pirlimpimpim' e 'agora misture com amor e vire à direita até o amanhã'.

O caso todo é que, há quatro meses... a coisa vem funcionando. Pegam muito menos melecas e, quando pegam, saram em coisa de dia ou dois. É claro que tem o fato de as duas estarem crescendo e ficando mais fortes e mais sabidas e parando de lamber corrimão de shopping center à menor distração dos pais. Mas, não sei, acho que as bolinhas ajudam. E aquele outro vidrinho com o líquido que tem gosto de birita também.

O diabo da homeopatia é que eles querem que eu leve a sério, mas não me ajudam (eles, no caso, são todos os envolvidos: a pediatra, o farmacêutico manipulador, os autores de livros especializados e a minha irmã, que insiste nessa coisa faz 20 anos). Faço lá as bolotas; e depois vêm as recomendações. Mantenha longe do calor e em local seco e ventilado. Bom, até aí qualquer remédio pede isso. E também não pode deixar a coisa perto de aparelhos elétricos e ondas magnéticas. Complicou, porque aqui a casa é pequena.

Então eu não posso deixar no armário das louças, porque o microondas fica ao lado; não posso deixar na bancada porque é onde carregam-se celulares e tablets; não posso deixar na sala por causa do computador e da televisão e nem na pia, no guarda-comida ou em cima da geladeira, porque bate sol em tudo isso e viola a primeira regra. Não posso deixar no banheiro porque eu tomo banho quente e o recinto não tem janela- e, quando eu acabo o banho, o local ganha o apelido de As Brumas de Avalon. Não tenho onde deixar essas bolotas; acho que vou ensacar tudo, amarrar uma corda e pendurar pra fora da janela.

E tem também a administração. Não pode dar o liquidinho em colher de metal. Não pode dar com o estômago cheio. Olha, essas meninas comem o dia inteiro como dois pequenos búfalos. Nunca tem estômago vazio aqui, a gente é meio italiano! Como proceder?

Eu sei é que eu vou dando como posso e acho que vai dando certo. Mal, eu já vi que não faz. E as meninas curtem, é como uma sobremesa que ajuda a curar. Às vezes ainda faço a gracinha de dizer 'sabia que a palavra homeopatia vem do grego homeo = bolinha e patia = açúcar?'. Mas aceito perder a piada se for pra viver com a saúde das menores mais em paz.


E, além de tudo, parecem sagu

domingo, 1 de julho de 2012

Kuda para sempre

A rigor, vale dizer que, se me pedissem pra desenhar o rosto da Kuda, eu com certeza acabaria errando em quase tudo. É que eu só a vi, e de relance, uma única vez. Foi no lançamento do livro que escrevi com minhas sempre sócias, Clarissa e Vivi. A Kuda, tia da Vivi, foi nos prestigiar - e apesar de querer muito agarrar nas mãos delas e agradecer por tudo e mais um pouco, a pilha de livros acumulada me impediu da tietagem explícita. Foi uma pena. Foi uma pena que, na semana que passou, eu tenha perdido em definitivo a chance de dizer pessoalmente pra Kuda como eu a admirava.

Eu não saberia dizer o nome completo da Kuda, o endereço dela, qual carro dirigia - e mesmo se ela dirigia. Mas eu sei que a Kuda era exímia trabalhadeira manual, boa de cozinha, dona de dedos verdes pras plantas crescerem lindas. Sei que ela também era chapa de santinhos que providencialmente atendiam suas preces (e ajudavam todos nós nessa doce tabela). Sei que ela tinha dois filhos que são dois príncipes e que pensava em comprar um sítio. Eu passei a semana pensando na Kuda, em como esse sítio teria sido um paraíso pelas mãos dessa mulher e em tudo isso que a gente é.

Por causa da Kuda é que eu sempre relembro à Sabrina que ela 'fala mais que o homem da cobra'. O significado da parábola foi embora com a Kuda, eu acho, mas pra mim vai seguir fazendo sentindo. Ou sentido nenhum, mas eu repito porque é engraçado demais pra não utilizar.

A Kuda, sem saber, me ensinou um bocado - porque ela ensinou pra Vivi, que me repassou. Mas o que ela me mostrou melhor e afinal foi algo que todo mundo deveria matutar um pouco: o que a gente faz, diz, pratica não fica só com a gente ou com aquela meia dúzia de sempre. Muita coisa transcende, especialmente quando a gente é capaz de ser tão incrível a ponto de deixar um positivo legado.

Não precisa ser o legado maior do mundo - a fortuna do Eike, os gols do Pelé, a boca da Jolie. Que seja uma receita de torta fantástica. Que seja um gesto característico. Que seja um modo de agir que toque mais outro alguém. A gente é capaz de marcar quem a gente nem conhece quando faz algo bem feito.

Em tempos de comunicação muito ligeira, quando os dedos às vezes trabalham mais rápido que o bom senso, tudo o que a gente reflete e espalha vai lá tocar em alguém, é certeza. Muitíssimas vezes, em quem a gente nem sequer imagina. Então, se for o caso, levar uma vida preciosa e espalhar boas coisas é a melhor escolha de todas. O que a gente pode fazer de bem feito vai tomar força.

A Kuda fez tudo muito, muito bem feito. Por isso que ela pode ter ido embora de um certo modo, mas nunca por completo. Quem ela era vai ficar, se traduzindo em ações que ela semeou aqui, ali, acolá... E quem, como eu, não a conheceu também pode aprender bastante com isso.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Tudo em família

Família devia ser mais sobre papos no sofá, almoços na cozinha e chacrinha no quintal do que sobre quantos cômodos de fato existem naquela casa e 'quem é dono de qual'.

Família devia ser mais sobre festas de aniversário, festas de casamentos, festas de recasamento, festas de Natal, Hanukkah e de formatura da caçulinha no jardim da infância. Família devia ser mais sobre animação do que sobre o tédio de ver aquela mesma gente todo dia.

Família devia ser igualmente sobre o pai, o filho, a mãe, a filha, a tia, os primos e até os cunhados, que cunhado também é gente - e é família, querendo ou não.

Família devia ser mais, muito mais, sobre um sanduíche safado comido à meia-noite sobre a pia numa conversa alegre do que sobre jantares com sete pratos sobre os quais ninguém fala.

Família devia ser mais sobre 'fala na cara' e menos sobre 'você viu o que aquela zinha da mulher do primo do Rodolfo disse da Zoraide, a nora da minha prima?'. Porque em família de verdade isso aí nem importa. E quem é a Zoraide, avemaria... É família?

Porque família devia ser mais, inclusive, sobre gostos partilhados, receitas dividas, passeios que todos adorem, reuniões em torno de um pote de sorvete napolitano vagabundo - e que seja com a família escolhida, se for o caso, e não aquela imposta.

Família devia ser mais sobre vontade e menos sobre obrigação.

E devia ser menos sobre formalidade de tapetes imaculados num living room onde ninguém entra e mais sobre um arraiá montado fajutamente na sacada diminuta com toalha de chitão, barba de rolha queimada e uma jarrona de quentão.

Família devia ser mais sobre antigas fotos repassadas entre risadas. Mais sobre histórias absurdas que só uns poucos lembram (e o resto preferiu esquecer). Mais sobre um filme terrível revisto às gargalhas. Mais sobre tradições bestas passadas de geração para geração, que repete a besteira só porque 'a minha tia que ensinou, uai'.

E devia ser menos sobre a necessidade louca de ir nos eventos que não se quer ir, menos sobre cobranças do que não é pra se cobrar, menos sobre a retórica infinita da rotina sob o mesmo teto. Família não é isso. Isso é emprego.

Família devia ser mais sobre cuidar em conjunto de todas as crianças e de todos os velhinhos - sem tempo pra picuinha, faz favor, que as crianças percebem que são um empecilho e os velhinhos percebem que são um fardo. E nenhum membro de nenhum família devia se sentir assim.

Família devia ser mais sobre 'a união faz a força' - ou sobre 'a União faz açúcar e com ele a gente bate um bolinho, conversa e resolve tudo o que for preciso, sei lá.

Família devia ser menos sobre 'é assim que você deve fazer' e mais sobre 'como é que você prefere fazer, me diz que eu ajudo'.

Mas família também é como é, né. Nem mais, nem menos, só a família mesmo.



terça-feira, 29 de maio de 2012

Fui, vi e venci

Querida Vivi,

Espero que o seu retorno até em casa tenha corrido bem, amiga. Bom, eu sei que tudo foi bem, porque já trocamos mensagens. Esse mundo de hoje é muito ágil mesmo. Pensa só: em coisa de um mês a gente combinou uma viagem, nos encontramos ainda no aeroporto, nos abraçamos feito umas Mirtes, batemos perna até a perna quase cair, compramos bobagens, comemos bobagens e falamos tantas, tantas bobagens... Agora eu fico aqui, vez por outra só lembrando como foram nossos dias nova-iorquinos - e como viajar tira e põe o melhor de/em nós.

O bom é que foi bom do primeiro ao último minuto. Coisa incrível, porque viagem sempre tem aquela hora não tão boa, aquele banzo, aquela viela escura que a gente quebra errado e em vez de achar uma catedral acha uma capela caindo aos pedaços... Mas não essa. Essa foi incrível desde sempre. Quer dizer: claro que a Olívia ficou com febre no dia da minha partida, obrigando a choro desbragado no banheiro, ameaça de não ir mais e uns 57 "por que comiiiiigoooo?".

Mas, depois disso, eu fiz a mala e ganhei uma carona pro aeroporto com os melhores e mais gentis amigos que uma pessoa pode ter. Te contei que Leo e Bia me buscaram, me levaram, carregaram minha mala, estacionaram sob aquele preço absurdo, fizeram check-in comigo, tomaram cafezinho, esperaram comprar um livro e só me soltaram na hora do embarque? Eu só queria chorar ao sair de casa, mas depois eles me acalmaram e cuidaram tanto que eu só queria rir.

E eu ri. Eu ri de leste a oeste quando a Eva chegou no avião e pediu licença e sentou ao meu lado. Eu nunca tinha visto a Eva na minha vida, mas ela virou minha amiga de infância em coisa de 18 minutos. Ela conversou tanto, foi tão legal e animada, tão coração aberto e querida, que eu nem vi aquele passarinho de aço periclitante sair do chão - o que foi um avanço pro meu pavorzinho de decolagem. Eva e eu fomos companheiras pelas 10 horas de vôo e sinto que agora somos amigas, ainda que distantes. Porque a Eva viu NYC comigo pela janelinha e emocionou também.

Eu te disse, quem não emociona com Nova York bom sujeito não é. Tão cheia da pose, essa cidade, e ainda assim tão descolada e receptiva. E tão, tão recheada de boas coisas. Lembra nós, já no primeiro dia, tomando café em Times Square e caminhando até fazer bolhas pra ver o Rockefeller Center, a loja de brinquedos essencial que é a FAO Schwartz, o Central Park? E depois sacramentando o dia no nosso hotel bem localizado e confortável? Tá bom, eu vou ignorar a parte da barata no teto e de como eu gritei feito maricas ao dar com o sapato e vê-la quase cair em cima de mim. Nova York não foi sobre baratas, e sim um barato.

Até hoje sorrio ao pensar na gente checando aquele Museu de História Natural do subsolo ao quinto andar, observando tudo e nos maravilhando com a perfeição dos displays dos animais, com as roupas dos povos todos, com as maquetes, as ossadas, o fundo do mar ali na nossa frente. Eu voltaria mais 17 vezes. Até pra provar aquele macarrão com queijo infantilóide e delicioso que comemos no bandejão do museu.



Também fecho os olhos pra lembrar da visita ao Metropolitan, imperdível, onde eu finalmente consegui ver os Edward Hopper ao vivo e não apenas no poster descarado que eu mantenho na parede sobre a minha cama. E eu sei que você sonha com o Met também. Com a parte de arte contemporânea e com a lojinha cheia de coisa linda. São bons, esses americanos, em amealhar uns troços egípcios pra nos encantar e depois botar uma lojinha no final pra nos tirar uns trocos. E são excepcionais os nossos comentários quando em um museu. Nunca esqueço de você olhando séria aquela prateleira repleta de vasos de vidro do período grego e comentando "mas como pode, os copos lá de casa não duram uma semana, como esses aí ficaram inteiros tanto tempo?!". A gente devia gravar um audio-guia alternativo pra museus.



Também não preciso dizer da minha emoção ao caminhar o High Park todinho na sua companhia, olhando aquele jardim suspenso fantástico e pleno de verde, de trilhos, de passarinhos, de florzinhas e de gente que curte, como nós, ver uma área ser erguida e recuperada apenas como uma ideia excelente. Ainda não me conformo de não ser dona de um apartamentinho colado no High Park. Mas quem sabe, um dia, o Minhocão se transforma...



Como nem só de caminhada vivem as pessoas de bem, eu penso e repenso também - e comento com todo mundo, já provocando um enjoamento no pessoal - sobre o Eataly. Que espetáculo culinário, hein, Vi? Seo Mario Batali, aquele gênio, apanhou um galpãozão jogado às traças ali na 5th com a 23st e fez o que poucos imaginaram fazer: um misto de mercadão, loja, paradinha gourmet, restaurantes (uns 9 ou 10?). Fiquei feliz de termos vencidos os 40 minutos de espera pela nossa mesa intimista e de ter saboreado um dos melhores macarrões da minha vida.



Eu também amei demais o almocinho no Pastis, o giro pelo Village e pelo Soho (agradecida pela paciência em me seguir quando eu embananei com o mapa), as idas ao Chipotle (agradecida por ir duas vezes ao meu mexicano favorito), as paradas na H&M pra caçar roupas pras meninas (agradecida por ajudar a segurar todo o fardo adquirido), as paradas na Uniqlo (agradecida por concordar comigo que essa fast-fashion japonesa é um templo de amor ao vestuário), os cafés da manhã, as caminhadas sem fim e o fim dos dias jogadas cada qual em sua cama fofa, comendo cheesecake e assistindo meu amado HGTV, o canal da bricolagem.

Foram poucos, mas foram dias adoráveis. Ano que vem, onde mesmo? Já quero reservar passagem.

Com amor,

Flá

PS.: Você foi embora cedo no domingo e eu nem pude te contar que comprei minha primeira saia com nome de estilista na etiqueta, que fiquei na fila na loja de fotografia, que entrei na Toys'R'Us e saí com uma braçada de besteiras, como um dinossauro de pelúcia e um tubo de pastilhas pra colorir a água do banho das meninas. Te ligo, linda. Saudades.



sexta-feira, 27 de abril de 2012

I want to be a part of it

Querida Vivi,

Amanhã já vou descer a mala do armário alto, separar a mochila e começar a rechear ambas com meus trapinhos. O seguro já está impresso, assim como o e-ticket, e o passaporte foi tirado da capa e sacudido até a poeira sair toda. Mas, mesmo com todas as preliminares, acho que só vou acreditar quando desembarcar. Eu, você, Nova York!? Essa história não vai acabar bem... Pois ela já começou demais.

Te contei, né? Dono da Casa combinou almoço comigo e chegou atrasado, aquele pulha, sabendo muito bem o que eu penso de gente que atrasa. Bom, chegou atrasado e com uma sacola da livraria. Eu segurei o discurso e perguntei só por que, diabos, ele tinha atrasado pra passar na livraria. Disse que era um presente pra mim. É um encantador de serpentes mesmo, sempre sabe o que dizer. Bom, eu estranhei ganhar um livro sem motivo e, mais ainda, quando abri e vi que era um guia de Nova York. O meu estava velho e atrasado mesmo - WTC ainda na página 42, vê se pode... - mas me dar um guia? Eu estranhei, ele mandou abrir a contracapa. E ali, singelamente escrito a lápis num post-it, o número do vôo que ele reservou em meu nome usando as tão suadas milhas.

Preciso dizer que eu chorei que nem bebê com fome e assustei até o garçom, que achou que eu me desesperei pelo couvert? Pois sim. Esse homem me mata dando esse presente de sonho. E foi pacote completo, né? Já tinha falado com a minha mãe pra vir ajudar com as meninas, já tinha falado contigo pra ir me encontrar na Grande Maçã... Dissimulada, ficou de mexerico com meu marido pelas minhas costas!

Bom, daí foi passar um mês desejando que o relógio rodasse mais rápido e repassando mentalmente como será nossa visita ao Museu de História Natural pra ver a exposição dos animais bioluminescentes, como será nosso hot-dog de carrocinha em plena escadaria da Biblioteca, como vamos saltitar pelas vielas do Central Park, como vamos nos perder tentando achar lojinhas, como vamos almoçar lindamente no Prune... Te falei do Prune, né? Da chef que escreveu "Sangue, Ossos & Manteiga", que eu acabo de ler e é um must-read pra quem curte uma cozinha e uma saga de família.



Também teci sonhos sobre finalmente ir ao Brooklyn, naquele restaurante que dá de fundos com a Ponte, coisa de cinema. Dizem que lá eles fazem sobremesas supervalorizadas que valem cada mordida. Se for o caso, a gente testa - e, se não for, a gente apenas vai na Grimaldi's comer pizza em pé, encarando a fila na porta e tudo. Forno de tijolo a lenha, minha amiga, forno de tijolo a lenha. Americanos param nele. Nós também.


Isso tudo pra não te contar que, sim, a senhora vai camelar comigo High Line afora. Sabe, aquele parque feito por sobre um antigo "minhocão", os trilhos desativados de trem. Pois é: deve dar uma hora de caminhada, mas felizmente nosso preparo físico é ótimo (ainda que não). A gente para de vez em quando nos recuos pra descansar e olhar a vista de 4 metros de altura, tá?


São tantas as possibilidades, tão poucos dias... Mas eu sei que a gente aproveita. A gente aproveitou até aquela viagem até Araraquara pra fazer palestra pra seis pessoas, não foi? Então. Pode inventar aí suas barbaridades também, vamos botar tudo na lista. E sair da lista também e deixar o clima e o vento nos carregarem pela cidade grande. Ela não oprime, isso foi coisa que inventaram. Nova York é uma delícia, uma farra, um lugar pra quem quer ver de tudo ao mesmo tempo. Eu gosto, sempre me encontrei lá. Essa mania de uma turma aí dizer que é amecanizar demais gostar de Nova York ou que é ridículo achar que se pode curtir uma megalópole ou que é um lugar sujo, violento, feio, "besteira viajar pra fora com tantas coisa linda no Brasil"... nossa, coisa mais antiga. Até porque, eu não viajo pra fora, eu sempre viajo pra dentro. Pra dentro de mim.

E eu sei que você também. E é por isso que a gente vai curtir tanto. Ai, vai ser tanta coisa pra conversar e rir e sentir que eu acho que vamos precisar de um cirurgião plástico pra tirar o sorriso das nossas caras! Te espero no portão de desembarque 7h30 ou coisa assim, conforme combinado, hein? Levarei bolacha Passatempo de presente.

Com amor,

Flá

PS.: New York, New York, com todo respeito aos clássicos, é coisa do passado.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Essa mania de fuçar o mundo

Fazendo um retrospecto aqui, eu acho que a minha sanha viajante começou mais ou menos aos 7 anos. Era uma época em que o meu pai viajava muito, quase que semanalmente, e eu atendia o telefone verde-água de disco pra escutar coisas como "tô aqui em Salvador, Flá, comendo camarão de frente pro mar!". Por mais que eu soubesse que ele ralava doidamente visitando concessionários e descascando só pepino, ouvir que ele tinha tomado um avião da Vasp, comido a comidinha que vinha na bandejinha, andado por estradas e ruas novas e comido camarão de frente pro mar me dava até uma torção no estômago. Ah, eu queria muito aquela vida. Camarão incluso.

Eu só fui comer camarão de frente pro mar em Salvador faz uns quatro anos. Mas foi um deleite que quase me fez chorar - e olha que deixaram pra mim a cadeira de costas pro mar, obrigando a uma manobra a cada onda. Foi como ganhar um selo na minha caderneta "Coisas para Fazer e Descobrir pelo Mundão". Sim, eu tenho essa caderneta imaginária. E ela é lotadinha de espaços em branco e de outros já preenchidos.

Acontece que, ao viajar, não dá pra ficar só ali pelo circuito padrão dos monumentos famosos, museus imperdíveis e catedrais de desmontar arcadas dentárias. Ao viajar, eu preciso de caminhos e sonhos mais específicos. Sempre foi assim. Eu fui com o prazer maior do mundo ver a Fontana di Trevi, me acotovelar com a turba e lançar a moedinha pelos ares; mas eu também precisei escarafunchar o mapa com lupa pra encontrar a Fontana delle Tartarughe, que fica num beco escuro no meio dos edifícios de 400 anos, porque tinha visto a foto dela em um livro da biblioteca quando tinha 12 anos.

Meti na cabeça que precisava ver a fonte, reboquei Dono da Casa por horas, mas achei a danada. Mais de uma década depois, ainda é a minha favorita em Roma.

Também aceito de bom grado os toques de amigos sobre "o crepe da barraquinha da esquina daquela praça bonita" ou coisa que o valha. Faço listas, ao sair de mala e cuia, caçando os desejos antigos, as imagens que guardei na cabeça e os highlights que vi em guias, sites e etcs.. É legal demais ver ao vivo, dias ou anos depois, aquilo que estava só na nossa mente.

A internet, aliás, só veio piorar a situação da minha caderneta à espera de selos impalpáveis. Era ver um filme que aparecia aquela livraria, lá ia eu checar o site da mesma, ver o endereço, desejar pôr as garras naqueles livros e respirar aquele ar. E aí teve o agravamento fatal: Google Mapas.

Agora não dá pra ler um livro de não-ficção ou assistir um filme que saio em disparada botando endereços no rastreador de ruas pra ver a fachada do bar, do hotel, da casa onde foi filmada a cena favorita do romancezinho. Eu passeio por Londres, Tóquio, San Francisco e afins toda semana - e até já dei uma vasculhada nas estradas do Havaí pra ver que tipo de carro vou alugar pra apreciar melhor a paisagem. Um dia. Quando a caderneta implorar por um selinho "rota dos vulcões, Oahu".

Em breve eu vou partir novamente pra mais uma busca dessas sem lenço e sem documento (mentira, com lenço e com documento, porque eu sou terminantemente contra nariz escorrendo e dias inúteis na salinha da imigração). Já tem uma lista impossível com itens como o restaurante daquela chef que escreveu o último livro que eu li, o mercado mais novo aberto na grande avenida, um parque suspenso que deve ser coisa de cinema, uma exposição, um bondinho, um sorvete... Vão ser poucos dias pra muitos selos invisíveis. Mas o que se realizar, tá bom. De outra vez eu saio à caça com uma nova lista sonhadora.




Valeu a pena a caçada

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Traga Zoboo de volta. E aquele dino também, vai

Eu não vou dizer que os Octonautas são chatos, porque são umas gracinhas. Nem vou esculhambar as Princesas do Mar, porque elas também fazem esse belo trabalho de falar dos oceanos. E longe de mim avacalhar com Os Piratas e suas Aventuras Coloridas, já que são bucaneiros E artistas, ou com o Dino Trem, ou com aqueles pôneis neuróticos e fofinhos, ou com World Word - que outro dia me lembrou como se dizia celeiro em inglês. Mas eu confesso, eu sinto falta do Barney. E do Thomas. E especialmente do Zoboomafoo.

Tenho uma teoria sobre os desenhos da TV. No nosso passado, aquele vivido lá nos jocosos anos 1970, 1980 e 1990, a vida ainda estava num ritmo simplório e festivo. As ondas de violência gratuita eram quase novidade e, pra parar na frente da televisão nesse tema, só com muito Crime da Rua Cuba. Então os desenhos, reflexos de nós em animação pra telinha, podiam muito bem se utilizar de bigornas, explosivos, instrumentos perfurocortantes, substâncias químicas duvidosas e até um 'tônico para Pica-Pau' que eu tenho certeza que era misturinha de ecstasy.

Podiam, porque a vida real era clara e limpa. Como a vida de hoje é muito mais sombria e perdida, os desenhos passaram a... bom, passaram a passar um pano. É muita musiquinha, muito abraço, muito construtivismo, muita didática, muita cor, brilho e magia. Não há cavalos mexicanos tentando esmagar crânios com um violão nem ursos hippies andando em motos imaginárias. Tem só coelhinho ensinando a desenhar, uns seres discutíveis brincando no quintal e cachorrinhos franceses falando sobre como é lindo e encantador ganhar um irmãozinho novo.

A criançada cai na feitiçaria porque é tudo tão doce e fofo e legal que não tem como não cair. E nós, os pais, caimos no sono enquanto o Sportacus come mais um 'doce do esporte' (é maçã, para os desavisados).

A gente cai no sono porque, bem, escutar o Peixonauta salvar mais uma lagoa da poluição se torna um pouco repetitivo. Mas somos agradecidos. É bem provável que uma ou outra criança aprenda mesmo uma ou duas coisas com os desenhos queriduxos do que com os adultos neuróticos e fanfarrões que os circundam hoje em dia.

E o problema maior é que, depois de conhecer essa gentinha, fica difícil livrar-se dela. Eu curti o episódio da rabeca quebrada por causa do desleixo da Angelina Ballerina; eu me peguei dançandinho com o Hi-5 mais de uma vez; eu parei e sentei e pensei onde as agruras de Madeleine iriam levá-la agora; eu cantei junto uma pá de músicas que o Barney nos ensinou e aprendi sobre iguanas e lhamas com o Zoboomafoo. Ah, tem aí Aventuras com os Kratts pra tentar compensar, mas cadê Zooboo, por favor?

Sim, eu sinto falta daquele lêmure - o de verdade e o de pano, que falava ao meu coração e me hipnotizava com aqueles olhões. A molecada se pega com os desenhos e, quando eles caducam, elas passam a achá-lo ridículo e 'de bebê'. Felizmente. Significa que estão passando de fase, deixando Little People pra trás com alegria e vergonhinha - e trocando o mimo televisivo por programas de adolescentes e/ou umas coisas loucas que aparecem no Cartoon (mas eu proíbo Ben 10, logicamente, porque Supremacia Alienígena é o cacete).

Passa pra eles, mas não pra nós. E basta que alguma loja de departamentos meta no DVD o Barney entoando o clássico 'Amo você, você me ama, somos uma família feliz' que lágrimas de saudades já brotam pavorosamente nas minhas vistas. Vai ver não é saudade do dinossauro carente em si, mas de um tempo bonito.


Eu, você e... cadê Zoboomafoo, pô?!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Mulher é tudo vaca

É sim. É tudo va-ca. A gente é vaca quando estaciona primeiro na vaga. A gente é vaca quando é promovida. A gente é vaca quando usa saia curta, quando usa decote e quando usa biquini. Na praia. Com 40 graus.

Mulher é uma tremenda vaca quando manda o subordinado homem executar logo uma certa tarefa, cobrando o resultado que ele já teria dado se o chefe fosse homem. Mulher é vaca quando se impõe e defende um ponto de vista com gana - quando, se fosse um homem defendendo, ele seria apenas "exigente". E eu simplesmente a-do-ro aquela máxima que diz: "quando ganha cargo alto, mulher vira tudo vaca". Com atenção especial pro fato de aquela vaca "ganhar" cargo alto, nunca conquistar.

A gente é uma grandecíssima vaca ao paquerar o marido de outra e é mais vaca ainda no ponto de vista da que quer o nosso marido, porque está atravancando os trabalhos. Aliás, eu já vi muito mais mulher chamando outra de vaca do que homens... uma pena. Porque os homens adoram quando nós nos chamamos assim. Dá neles um gostinho de mulher ser uma coisinha tola que se engalfinha por nada.

Já vi mulher sendo considerada uma vaca por pedir que o que fura fila tome sua linha e vá lá pro final. Já vi mulher sendo chamada de vaca porque ficou bonita demais com o penteado novo e chamou atenção. Já vi mulher sendo tratada como vaca no ônibus, no trem, no avião - e eu nunca fui de navio, mas tenho certeza que se a gente pedir uma espreguiçadeira pros folgados que sentam em uma e espalham as toalhas na outra, vão dizer que somos umas vacas.

Mulher é vaca porque tem dinheiro, porque tem prestígio e porque tem tutano. E quando não se têm nada disso, danou-se também, porque vão achar um meio de dizer que somos umas vacas, sei lá, porque "tá desempregada mas não deixa de fazer a unha".

E olha, a maior vaca de todas é a que joga charme. Ou não joga charme. Ou, mais que todas, a que aceita sair com o sujeito, mas depois decide que não está a fim do tico-tico-no-fubá - e, NOSSA, essa vai ser chamada de vaca pra todo o sempre. Ter uma escolha é a maior vaquice se que pode fazer.

O diabo é que mulher é vaca até quando é a presidenta da nação. Podiam dizer que é incompetente, pouco diplomática, lerda, grossa, chata, feia, boba... Mas escolhem dizer que "é uma vaca mesmo". Nenhum homem já foi repreendido e chamado de boi. Muito menos um presidente.

O que se ataca no homem é a virilidade - e todos os que não condizem logo são ditos "bichas". Com a gente é específico: vaca. Eu custo a entender como isso foi virando xingamento, mas acho que quer dizer que somos um bicho que dá pra todos os machos do bando. O que se ataca na mulher, portanto, é precisamente o sexo dela.

Claro que existe mulher coisa-ruim, como homem coisa-ruim. Claro que algumas são desonestas, maldosas, estúpidas, etc. e quetal. Mas por que tantas e tantas vezes todas nós somos umas vacas, aí é curioso de engolir. Eu sei é que eu já devo ter sido considerada uma vaca muitas vezes. Mesmo não sendo uma.

Eu gostaria muito que isso caísse em desuso. Globalmente - porque, ó que interessante, mulher é vaca em diversas culturas e idiomas. Eu curto as vacas e acho uma graça seus padrões lisos ou malhados e aquele leite gostoso que elas dão... mas eu não acho que as mulheres deveriam ser chamadas de vacas. Na minha presença muitas vezes elas são - e eu quero nem saber quem é que está rodeando a mesa e se a birita já subiu à mente, eu boto o Jabaquara em campo se ouvir uma coisa assim.

Quem diz que mulher é tudo vaca tem muito o que pastar.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mundo velho sem porteira - e com Sabrina

Planejar viagem é comigo mesma. Eu planejo as que vou fazer um dia, as que provavelmente nem vou fazer, as que estão por vir logo e as que serão pra daqui muitos anos. Planejo inclusive as viagens de amigos e parentes - e às vezes eu acho que faço isso sem eles pedirem, por um prazer pessoal de ser enxerida. Uma enxerida turística.

Daí que eu sonho muito, às vezes em voz alta, e acho que acabei contaminando a Sabrina. Sabrina tem apenas 7 anos, mas ela sonha grande e profundamente. Hoje, no carro, nosso papo diário discorreu sobre viagens. Sasá quer férias. Deve estar estressada.

Eu perguntei pra ela sobre A Grande Viagem do Meio do Ano (que a gente promete faz tempo, desde que ela entrou na 'escola séria' e não pode mais faltar quando bem quiser, no meio de setembro, pra não perder terreno). Estamos batalhando esse break em julho faz tempo porque, desde que Olívia deu o ar de sua imensa graça aqui, as viagens longas e empolgadonas e custosas e com vôos de mais de 3 horas ficaram na geladeira. Mas, agora, estamos prontos pra embarcar Lica, essa malinha de viagem.

Daí que pretendemos nos aventurar pelo Velho Mundo esse ano. Sabrina está encantada com a ideia de conhecer Paris (coisa que ela sabe que ela já fez, mas a memória de 14 meses não ajudou a fixar, então... bora de novo). Perguntei o que ela queria ver em Paris.

- A Torre Eiffel! E subir nela. E ficar lá em cima um tempão.

Concordei que vai ser o máximo, que a gente pode ir sim. E o que mais?

- E quero comer todo o macarron que eu puder!

Perdida no sotaque eu disse 'mas por que comer tanto macarrão na França, ué?'.

- MACARROOOON! Não macarrão, macarrão eu como aqui em casa!

Planejamos ir nos parques correr e pular, decidimos ir no museu de ciências e, depois que eu contei que há uma Disney ali perto, ela decretou que um dia todo será lá. Tudo bem.

O papo seguiu sobre os lugares pra ir nesse mundão velho e eu sugeri que, um dia, ela vá conhecer o Japão com o Dono da Casa - destino de desejo de ambos, mas longe do meu coração por enquanto porque 28 horas de viagem ninguém merece. E a Olívia nem sabe onde fica Osasco, que dirá Tóquio. Sasá mais uma vez delirou.

- Oba, eu vou com o papai e nós vamos comprar aquele gato que ergue uma pata só.

Ah, mas eu disse que um dia também quero viajar só eu e ela, pra gente bater mais papos e ficar juntinhas. Perguntei pra onde seria.

- Canadá!, disse a figura.

- Uau, Canadá, que demais! Lá tem as paisagens mais lindas, Sá, montanhas, florestas, bosques, lagos e umas cidades legais demais. Eu quero ir contigo sim. Mas o que é que você escutou sobre o Canadá, o que você acha que tem de bacana lá?

- Os canadenses.

Pronto. Um dia a Sabrina não vai ser só uma viajante inveterada, uma doida por culturas e cenários diferentes e uma psicopata dos mapas como eu. Ela vai ser funcionária da ONU. Certeza.

terça-feira, 13 de março de 2012

Mas só se...

Eu conheço um monte de gente que anda pela casa dos 30 e está com aquela senhora dúvida sobre ter ou não filhos. Seus problemas acabaram, minha gente querida que ainda curte baladinha mas já vê nascer cabelos brancos nos flancos da cabeça e têm dúvidas se quer ou não morrer solitário e esquecido!

Posso dar minha visão do caso. É fácil. Só tenha filhos...

- se você não liga de usar banheiro público todos os dias da sua vida. Sim, porque o lindo banheiro da sua suíte, mesmo tão privativo e aconchegante, será diariamente invadido por gente de pouca estatura que não bate, não liga pra sua privacidade e não pode esperar pra saber 'onde tá o meu coisinho, manhê?';

- se você não tem nojo de quase nada. Porque é certo que, dia ou outro, será preciso beber daquele copo visguento onde o diabinho babou horas intermináveis (porque o copo precisa ser esvaziado porque o segurança não permite a entrada de bebida ou coisa que o valha);

- se você adora mostrar suas partes corporais privadas em público, quando os 'de menor' puxam a blusa da mamãe pelo decote até a altura do umbigo ou levantam a saia da supracitada mamãe em busca de esconderijo secreto;

- se você não liga de ser excluída de todo e qualquer evento social mais descolado e jovial 'porque, né, a gente sabe que você nunca vai porque tem a criança...' (a palavra 'criança', aqui, deve ser pronunciada como se fosse 'lepra');

- se você aceita bem umas rugas de preocupação a mais a cada febre sem sentido, virose misteriosa ou queda na qual aquela cabecinha molinha e miúda acertou a quina da mesa com a força de uma bigorna em queda livre;

- se você não faz questão de ter uma conversa com sua cara-metade que tenha início, meio e fim;

- se você faz questão de continuar sendo o filho dos seus pais - porque no exato instante que netos nascem, eles dão fim ao posto de pai e mãe e viram apenas o vovô e a vovó (e você, no caso, passará a ser somente a entidade dispensável que acompanha o 'tesourinho da bobozinha!');

- se você acha normal observar rostos transtornados quando adentra a cabine do avião com um bebê nos braços - e todos te fazem sentir como alguém que está embarcando com uma jaguatirica devoradora de humanos e com alto-falantes embutidos;

- se você gosta de assistir o mesmo desenho animado no DVD por 849 vezes seguidas - cantando junto;

- se você concorda em, no fim do dia, se parecer mais com a Cuca do que com a Angelina Jolie.


Mas aviso também que você não deve de modo algum ter filhos se...

- você não pretende conhecer o maior amor que há nesse mundo, não tem intenção de surtar de alegria e contentamento por ter a chance de ver outro ser humano crescer dia a dia e nem quer viver com a constante sensação de ser amado e estar completo e feliz.

Ajudei pacas, dizaí.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Eu, elas e as nossas irmãs

Foi lá pelos 5 anos que eu me lembro de ver a Raquel pela primeira vez. Com certeza eu a vi antes, passeando na praça de carrinho pelas mãos das nossas mães, mas memória tem limite. Bom, eu conheci a Raquel assim, no bairro e desde sempre, e só lá pelos 15 anos vieram a Caren e a Fabiane. Vou contar: naqueles idos de 1990, éramos as quatro Cavaleiras do Apocalipse, dominando a cidade, zunindo pelas ruas, ganhando experiência. Só nas nossas mentes, claro.

Na realidade, nós éramos quatro exemplares da nerdice. A Raquel ainda era mais descolada, bonitona, altona, loirona como só as famosas eram (e aqui cabe a explicação que, no meu tempo, só havia o termo 'famosa', não 'popular', que só desembarcou no ABC Paulista com o advento do "Barrados no Baile"). A Caren também era loirona e altona, mas menos descolada, ligeiramente tímida, muito romântica e poética e musical desde o bercinho dela. Fabiane era nada loira e pouco alta, mas compensava numa personalidade que dominava a sala inteirinha em exatos 4 segundos. E eu era aquilo lá, uma coisa mei estranha que, sabe-se lá por que, agradava a bem pouca gente. Mas agradava minhas garotas. Era tudo o que me bastava.

Eu e as meninas vivíamos umas nas casas das outras. Literalmente. Eram fins de semana e mais fins de semana que eu ficava sem ver sequer a fuça dos meus pais porque me bandeava pras bicamas e colchões extras da Rá, da Cá e da Fabi. Elas também lá em casa. Meus pais, seguramente, já faziam compra de mês pensando em alimentar mais três bocas em fase de crescimento.

Um crescimento que era mais físico que mental, eu diria. Olhando pras adolescentes de hoje, eu não vejo à mim e às minhas amigas. Nós queríamos ser safas, mas éramos, isso sim, umas bocós. De marca. De marca Pakalolo - mas só quando o dinheiro dava.

A gente fofocava interminavelmente sobre os meninos, sobre as chatinhas da escola, sobre bobagens da TV, escrevíamos cartas umas pras outras, guardávamos em caixas de sapato, traçávamos planos de conhecer a distante Europa, fofocávamos mais sobre os meninos. E endeusávamos nossas irmãs. Não que elas ou nós tivéssemos conhecimento disso, lógico, porque, 'no papel', todas odiávamos as nossas irmãs. Eram todas mais velhas. Credo.

A irmã da Raquel era a destemida, sempre a bordo de um Passat branco meio marretado mas muito interessante aos nossos olhos de gente que ia a pé. A irmã da Caren era a internacional, sabida, intercambista, nosso sonho de consumo em experiência de vida. A irmã da Fabi era a inteligente, uma crânio de dar raiva e ainda amiga de todo mundo que importava naquela cidade e na cidade vizinha (o A e o B do ABC). E a minha irmã era... bicho, em 1990, a minha irmã já era casada e tinha uma filha. Como competir com aquilo? Minha irmã, e as outras, eram gente grande. Não tinha pra nós.

Mesmo não admitindo, a gente tinha um olho na nossa vida colegial muito louca da pesada e outro olho naquelas garotas espertas e cheias das manhas - e das roupas bonitas. Sim, porque as irmãs mais velhas têm esse dom: elas têm as roupas da moda, elas ganham seu dinheiro, elas arranjam namorados que dirigem, elas berram com as nossas mães de um jeito que dá vergonha, mas que a gente adoraria ter coragem de berrar.

As nossas irmãs mais velhas achavam a gente bem pirralha, eu acho. Porque elas estavam ali, ganhando a vida ou prestando vestibular ou se formando ou conhecendo a Ásia, a Oceania e todo o exército amarelo e a gente estava... bom, sentadas na calçada bebendo (escondidas) batida de amendoim ou datilografando trabalho sobre embriologia. E a gente nem tinha internet pra perder horas online e fazer de conta que éramos bem lançadas!

Nossas irmãs nos ensinaram coisas que elas nem imaginam, eu tenho certeza que as meninas concordariam comigo. Elas abriram caminhos nunca dantes navegados pra gente poder ser um bando de folgadas que, aos 16, já saiam à noite usando shorts com meia-calça se achando gente. Não fossem elas brigarem por horários, por privacidade e pelo direito de usar gel com glitter e saia curta, a gente não teria tido qualquer chance.

Hoje eu vejo pouco a Caren e a Fabiane, infelizmente. E, pior ainda, não vejo mais a Raquel. As irmãs delas, então, eu vejo é nada - mas sei de notícias, sei que continuam rolos-compressores de sabedoria e mão-na-massa e que vivem felizes suas vidas de adultas. As adultas que sempre foram nas nossas mentes e que a gente nunca vai conseguir imitar por completo.

segunda-feira, 5 de março de 2012

1 livro + 1 série - 1 vergonha

Posso nem dizer que fico avexada de falar sobre esses gostos porque, ah, a vida é muito curta pra vergonhas.

1 livro
Eu fiquei sabendo que havia um filme, achei bonitinho. Mas soube que era baseado em um livro, o que me interessou mais. Porque o Matt Damon é um lindo e tals, mas é sempre bom conhecer a história pela boca de quem contou primeiro.

"Compramos um Zoológico" grudou como bala toffee na minha cabeça. Foi o título catchy, eu confesso: quem, por favor, compra um zoológico? Eu nem sabia que zoológicos estavam à venda - achei que era coisa de prefeitura ter zoológico. Coisa pública. Não é não. Bom, eu não sei como funciona no Brasil, mas agora sei tudo sobre comprar e administrar um zôo na Inglaterra.

Sim, porque o filme com o Matt Damon, me contaram, passa nos Estados Unidos. Eu acho que Hollywood compra direitos das histórias dos outros e, na preguiça de gravar além-mar com atores que falam inglês mais bonito, transformam tudo em "coisa nossa". Enfim, o verdadeiro Benjamin Mee, autor de "Compramos um Zoológico", é um inglês figura que faz de tudo. Formado em jornalismo e psicologia, é perito em trabalhos manuais, escreveu um livro sobre o humor dos animais, vendeu um apê em Londres e foi viver na França com a esposa e os dois filhos, Ella e Milo.

Daí um dia a irmã maluca desse maluco enviou a ele um prospecto falando sobre a venda de um zoológico particular em Dartmoor, lá na área mais chuvarenta da Inglaterra. A mãe maluca do maluco estava disposta a vender sua casona e mudar, junto com dois dos filhos malucos, pro zoológico. Ben topa e vai na fé - mesmo com jaulas de tigres inseguras, leões precisando de dentista, lobos desembestados, um porco-espinho furioso, um clima maldito, uma esposa com câncer, contas altíssimas.

A história do livro me pegou, eu confesso. A ousadia dessa gente de virar a mesa e começar de novo em um negócio familiar completamente fora de propósito me pegou. Eu curto essas loucuras. Eu li e quis comprar um zoológico e sair da mesmice e ir viver uma coisa diferente. Eu consertaria cercas e reformaria o restaurante e cuidaria da anta e dos pavôes com a família Mee. Tenho nem vergonha de dizer.

1 série
No princípio, era apenas "The Big Bang Theory", um seriado fdp de engraçado que me fazia ficar com um sorriso estampado por horas só de lembrar daqueles diálogos. E aí num dia, ao dar mamadeira pra Olívia e não poder soltá-la pra alcançar o controle remoto, fui obrigada a ver aquela série que vinha depois da minha. Uma tal de "2 Broke Girls".

Achei que mais uma série era demais no meu currículo, queria nem começar a acompanhar mais nada (mas vale informar que caí nessa e em "Alcatraz" também porque, né, "Lost" não foi suficiente pra me deixar aborrecida). Mas comecei.

Acontece que eram duas meninas, as protagonistas. Já gostei. E não é que era engraçadinha a premissa da socialite falida virar colega de emprego e de quarto de uma garçonete demente e boca-suja de Williamsburg? Ah, os diálogos eram bons. Nossa, as referências eram hilárias. Pronto, elas me ganharam.

Muito se fala de não haver, depois de "Friends", nenhuma série para trintões. Bom, eu não concordo. Simplesmente porque nós, trintões de hoje, somos imaturos demais, acho. E a gente se contenta com séries pra gente de 20 e poucos que sejam genuinamente divertidas. Essa é. "2 Broke Girls" é engraçada por ser a mescla da garota que a gente é com a que a gente queria ser. Ou porque é como as amigas de verdade se tratam em qualquer cenário financeiro. Ou só é engraçada porque é mesmo. Ora, não me pressione. Eu já disse que não tenho mais tempo pra vergonhas.

Max e Caroline


Os Mee

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sei nem porque é que faz

Vou dizer, é bem longa a lista de coisas que sabe-se lá por que alguém perde tempo precioso fazendo. Como por exemplo:

- Sala de ginástica em edifícios é um uso bem paspalho de espaço. Quantos vão naquele lugarejo queimar umas bordas recheadas? E quantos vão por mais de uma semana? E quem vai por mais de uma semana por prazer? Pessoal do ramo imobiliário que quiser ser mais sensato, favor instalar uma pizzaria ou sanduicheria com delivery para todos os andares do prédio por elevador de comida que desemboca na sala. Sucesso.

- Desfile das escolas de samba campeãs parece reprise - e não necessariamente dos filmes favoritos. Porque, né, quem chega ao sábado posterior ao carnaval com o mesmo pique e a fantasia intacta? O que se vê é um monte de moleque com chapéu capenga, roupa com lantejoulas de menos e pulando com um certo cansaço no corpo. E quem, por favor, assiste? Só as mães desses moleques.

- Esfira de verdura é outro atentado contra o senso. Sei nem por que fazer uma esfira que não vai carninha temperada ou queijinho derretido ou mesmo uma calabresa condimentada. Esfira de verdura deve ter sido inventada por uma mãe árabe que não se conformava de o Abdulzinho torcer o nariz pros vegetais.

- Outro item completamente dispensável é brinquedo para crianças menores de 1 ano. Falando sério: custam caro e fazem sons discutíveis em volume alto demais. Isso tudo numa fase em que o pivete só quer mesmo é brincar com a caixa, com o papel de presente amassado e morder e tentar o suicídio com aqueles arames de prender a coisa toda. Esqueçam tudo isso: dêem uma caixa de supermercado e dois rolos de papel-toalha naquelas maõzinhas gordinhas e vejam a felicidade genuína.

- O sinal de alerta é obrigatório nos veículos comercializados no país mas, bem, nos carros dos cidadãos com mais de 65 anos eles podiam ser removidos. Tiozinho não usa mesmo.

- Semana passada ouvi no rádio a notícia de que os bondes do bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, voltarão a operar depois de toda a reforma pela qual carros e trilhos passaram (depois daqueles absurdos acidentes com vítimas que marcaram 2011). E agora, dizia entusiasmada a repórter, os bondes circularão por 10 km, não mais 7 km! E agora as pessoas só poderão andar sentadas e pelo lado de dentro, não mais em pé ou segurando nos apoios pelo lado de fora! Sei... e pra que bonde, então, se a gente só vai mesmo é cumprir trajeto sentado como numa aborrecida van Penha-Lapa? Hã?

- Por fim, eu não sei nem por que é que a Academia de Cinema de Hollywood perde seu tempo indicando e premiando Woody Allen. Perceberam que ele não curte, não liga, brigado, tenho nojo? Então.

Ganhei um Oscar? Iupi.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Considerações sobre um Carnaval televisivo

Não que eu tenha ficado tão sem programa que passei os dias de Momo ali, grudada na telinha. Pra dizer a verdade, vi pouco. Porque rolava uma folia ali mesmo no gramado do sítio do vovô, muito legal e familiar, com serpentina jogada no telhado, água pelos ares e confete grudando na boca - e porque, bem, Carnaval pela TV é algo tão batido, né?

Parece, por exemplo, que se a escola não faz um carro alegórico de índio, um anjinho carnavalesco perde as asas. Todo ano tá lá a alegoria de índio - seja no enredo sobre as navegaçoes, sobre a morte, sobre Marte, sobre o vento que bate nos coqueiros na bela Pariquera-Açu nos dias de verão. Tinha um enredo sobre Londres esse ano, né? Pode procurar, devia ter um carro de índio ali.

E, se não tem índio, pelo menos tem um cabeção. Aja criatividade, nossa... Todo ano, toca bolar um carro com cabeção. Cabeção careca com boca nervosa, cabeção cabeludo black-power, cabeção de Medusa (esse ano tinham dois!), cabeção de ET, cabeção de elefante, águia, boi, carpa, cabeção de índio, lógico, ou uma ilustre personalidade morta da nossa cultura popular. Acho que as casas de artigos de arte que vendem para os carnavalescos já disponibilizam até uns cabeções de isopor prontos hoje em dia. Tem lá a gôndola das penas, a gôndola do brocado, a gôndola das fitas e o armazém com centenas de cabeções esperando comprador.

Carnaval pela TV mostra ainda uma obviedade: repórter que está mal com a diretoria de jornalismo de sua empresa. Porque, ô desprestígio ser colocado ali, pleno carnaval, pra perguntar um monte de groselha pra gente que não está escutando nada e responde qualquer asneira pra não desconcentrar. Ou vai ver é o contrário: repórter ganha a incumbência de cobrir Carnaval com a promessa de, assim que houver vaga, virar correspondente no estrangeiro. Sua um bocado aqui mas depois vai lá fazer matéria a cada 18 dias em Portugal! Negocião, meu rei.

Pior que emprego de repórter de Carnaval, só emprego de empurrador de carro alegórico. Acho inacreditável que ainda achem gente bacana e desapegada suficiente pra, em vez de brincar a avenida, ficar ali na lida. E olha, tem agravantes: chega na hora H, tem carro que não faz a curva e fica de fora da festa! Não entra na fila, estava fora das medidas ou quebrou uma torre qualquer! Te contar, um ano pra fazer o negócio e sujeito sequer foi lá tirar as medidas de largura e altura pra passar o carro? Gênio, hein? Faz um enredo pra ele no ano que vem.

E aí fica sem graça, todo um trabalhão perdido e as moças que estavam encarrapitadas no carro são obrigadas a desfilar no chão. E, faz favor, quem bota sandália de cabrocha e roupa mínima adora a passarela, mas quem está usando toda uma fantasia cara cheia de luxo e originalidade (not), não quer descer do salto. Até porque, gente de carro samba é nada, vá. Só sabe fazer aquele remelexo embaraçoso de quem tem muito dinheiro pra bancar a exposição, mas não tem tempo de fazer aula com Carlinhos de Jesus.

Mas aí a coisa dá errado, a TV mostra... e a gente fica aqui, no camarote mais cômodo do país, só descendo a lenha. Programão, dididididi!

Até o ano que vem, cabeção indígena!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Deu na TV aberta

Só capto uns flashes desse Big Brother porque, né, quem tem tempo de ficar espiando a vida alheia com a nossa própria dando pinta? Mas pelo que pude ver... Bom, eu tenho uma sugestão para a próxima prova do líder: dividir o lindo gramado da "casa" e colocar cada participante de quatro em sua área pré-determinada; quem pastar o quadrante primeiro, é o novo líder! Porque eu vou dizer, ô que amostragem de gente burra naquele lugar. Vai daí, Bial.

* * * * *


Entendo nada de direito e bem pouco dos rigores da lei, eu admito. Mas quando dizem que o rapaz de 21 anos matou a menina de 15 e isso foi crime passional, eu penso "naonde?". Crime passional devia valer só pra quem protege pai, mãe e filhos. Não tem paixão e muito menos amor que se ligue diretamente com homicídio entre crianças.

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Por que a Ilse Scamparini, a correspondente da Globo na Itália, vive com aquela fachada de viúva, hein? Pessoa mora na Bota, deve ganhar bem, só trabalha quando o Papa morre ou quando o navio com 4.500 afunda (e, diga-se, dá ambas as notícias com o mesmo tom e semblante, assim como ao falar dos vinhedos, tomates e mussarelas pro Globo Repórter). Ilse, animação, sim? Grata, ragazza.

* * * * *


Não sei como a Record ficou de fora da greve da Polícia Militar que se espalhou pelo país. Pra mim que a rede, sem polícia na rua virando pauta pros jornais da noite, da manhã e pro Carrossel Animado, fecha as portas. Deviam todos lá cruzar os braços e exigir a volta da notícia, digo, da polícia.

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Essa novela das 21h não tem Zé Mayer como galã, e sim como Náufrago? Que avanço, Vênus Platinada, uhu!

Ou Pé Grande. Ou o Rollo da Tina. Ou um Ewok. Tudo menos galã

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Por Henrietta

Não sei bem por que isso acontece - talvez uma boa fuga da rotina - mas eu tenho a mania (a dádiva? o desvio?) de me envolver doidamente com filmes e livros. Com os livros é pior até, por que os filmes acabam lá em duas horas e em mais duas eu já pensei muito sobre eles e é seguir vivendo. Mas os livros... Eles ficam a martelar na minha cabeça por dias, semanas, meses. Foi o caso da história impressa de Henrietta Lacks. Eu não esqueço mais da Henrietta, penso nela dia sim, dia não.

Quem me presenteou com "The Immortal Life of Henrietta Lacks" foi a minha querida Vivi. Na última visita dela em terras brasileiras, Vivi veio com um livro debaixo do braço, me entregou e disse: "foi o melhor livro que eu já li na vida". Ô, como eu desconfiei daquilo... Primeiro porque a Vivi é tão leitora que, cacete, como esse poderia ser, dentre centenas, o melhor que ela leu? Não sei se ela mantém a frase; eu mantenho. O melhor livro que já li.

Em primeiro lugar porque, até por ser jornalista, livros-reportagem são meus favoritos. Segundo porque, durante a leitura, a gente vai notando o nível de comprometimento de Rebecca Skloot, a autora. Ela tem esse nome meio assim, de monitora de acampamento do jardim da infância, mas ó: inacreditável a pesquisa, a dedicação, a perseverança de Rebecca ao contar a história de uma mulher negra, pobre, descendente de escravos, mãe, esposa e doadora involuntária das células que mudaram a minha e a sua vida.

Difícil explicar a situação toda que rendeu esse livro em algumas poucas linhas, em alguns poucos minutos. Para Rebecca Skloot, levou anos e anos e mais de 350 páginas. Eu vou tentar: Henrietta nasceu nos Estados Unidos, viveu com familiares em plantações trabalhando com tabaco e curtindo com os primos uma vidinha feliz. Ela casou com um desses primos, teve cinco filhos e, depois de sofrer penosa e horripilantemente com um câncer cervical, morreu em 1931 - por volta dos 30 anos. Atendida no hospital da famosa e hoje gabaritada Universidade Johns Hopkins, ela passou por tratamentos pra lá de dolorosos e, certa feita, teve amostras de tecido retiradas para pesquisa - num tempo em que (quando foi isso mesmo?) ninguém pedia pra um paciente pobre e negro a permissão dele ou da família para isso.

Bom, acontece que Henrietta, afinal, sucumbiu à doença. Mas as células retiradas do cérvix dela não. As células continuaram a se reproduzir mesmo depois de retiradas do corpo. Hoje sabe-se que isso não é feitiçaria e existem outras células, de outros pacientes, que têm o mesmo poder. Mas nenhuma como as de Henrietta, que carregam todas as características originais e, nas mãos de cientistas do mundo todo, resultaram em milhares de estudos decisivos para a medicina. Como uma coisinha tola aí chamada vacina contra poliomielite.

Acontece que a história toda parece assim uma coisa meio "pra doutor entender", mas não é. Em meio a todas as explicações técnicas, o que surge, isso sim, é a discussão sobre quem é dono do nosso corpo, os direitos e todos os meandros a respeito da ética na saúde e, além e acima de tudo isso, a família de Henrietta. O fato de eles terem sido excluídos da questão por anos, de jamais terem recebido um auxílio sequer vindo dos rendimentos da venda das células, de terem tido suas vidas reviradas, sacudidas e sovadas pela morte de uma mulher que carregava todos.

"A Vida Imortal de Henrietta Lacks", felizmente nas livrarias brasileiras há muitos meses, é imperdível. E impossível não se sentir parte da história e se fazer um milhão de questionamentos pessoais, sociais, psicossociais e sobre a nossa humanidade. É de dar uma porrada na nossa espinha e bagunçar qualquer certeza que a gente tenha? Sim. Por isso mesmo esse é um livro pra ser lido. E vivido, e recordado pra sempre.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Minhas férias

Nós fomos à praia em família e a pousada não ficava perto da praia, ficava ao lado de um riozinho. Toda manhã, depois de um café indecente de tão bom, o Marcel levava a gente no barco pelo riozinho até atracar na areia e nos largar na praia. Comíamos milho cozido cortado com manteiga, bebíamos água de coco aos litros (e umas biritas malvadas também, não vou negar) e fazíamos castelos com e sem túnel subterrâneo - mas os sem túnel tinham graça nenhuma.

Cinco dias na praia, de férias, Dono da Casa, meninas e eu, valeram, como sempre, por uma vida. Aquela água salgada parece ter o dom de nos deixar contentes - e olha que as aulas de surfe ministradas ali na praia ficaram pra uma próxima, o que com certeza vai render as maiores risadas.

Peixe fresco pra comer, sol pra esquentar, uma cama pra cair de noite antes mesmo das 22h, que o vigor muscular para remar a canoa toda tarde e alegrar Sabrina não é mais aquele. Ficamos muito juntos, falamos muita besteira, comemos até um picolé de açaí pavoroso por engano - e eu ainda digo, em minha defesa, que a fruta da embalagem parecia demais uma uva. Tudo o que férias devem ser.

* * * * *


Sabrina se mandou pro sítio da vó e do vô por uns 10 dias. Eu não sei bem o que aconteceu por lá, mas ela voltou mais cheinha, mais mimada, falando alto e me perguntando absurdos como "Mãe, você assiste a novela 'A Vida da Gente'? É legal!". Mais uns dias e ela começaria a fazer tricô, trocar os nomes das pessoas e achar o Agnaldo Rayol um pão.

* * * * *


Lica e Sá precisaram ser despachadas pra casa dos parentes uma vez mais, por três dias, pra eu poder acompanhar o Dono da Casa numa viagem da firma. Antigamente eu abominava com bônus essas viagens, achando que ninguém ali tinha picas a ver comigo (como se eu fosse a artista principal) e que era um porre de gim tônica aturar o papo de certos tipos. Faz um tempo que mudei de ideia. Tenho uma sorte dos infernos e, toda vez, conheço alguém adorável que vale horas de papo. Minha nova amiga de infância é a Claudia, a portuguesa mais linda e divertida de todo o continente (o dela e o nosso).

Eu e Claudia ficamos na piscina onde ninguém ficava, papeamos sobre Portugal e sobre o Brasil, comemos lanches bons e refeições ruins, sorvemos com prazer umas caipirinhas, levamos picadas de insetos procurando um orquidário feio e seco, dançamos na festa e nos caçamos com olhares na multidão quando alguém meio chato alugava nossos ouvidos. Não vejo a hora de encontrá-la de novo. E de vir uma nova viagem da firma no ano que vem.

Em tempo: as meninas ficaram muitíssimo bem sem nós, mesmo a pequena, largada pela primeira vez. Parece que nem sentiram falta e acharam até que um bom negócio ficar sem pais por uns dias em troca de presentinhos safados. Em quase sequei por dentro de saudades e tive a impressão onipresente de ter esquecido algo em casa - não chaves ou óculos; talvez filhas. Mas sobrevivemos.

* * * * *


Quando eu era pequena havia um poderoso highlight pra aplacar a dor do fim de férias: comprar e arrumar o material escolar. Era um tal de adquirir borrachas cheirosas, cadernos e livros estalando de novos e uns extras como caixas de lápis de cor de 24 joias raras. Era uma diversão ímpar passar o plástico sobre todos eles, encapando cada qual pra não estragar e empilhar tudo na mesa pro dia de voltar às aulas. E agora eu sei porque eu amava tanto tudo isso: não era eu a responsável por essa porra.

O material da Sabrina tomou uns 12 dias de apuros. Livros faltando nessa editora e naquela livraria, cadernos muito específicos duros de encontrar mesmo na internet, uma montanha de dinheiro tostada e uma dor lancinante quando a tesoura sem ponta acertou meu polegar.

Pra não falar sobre a hora de encapar a coisa toda com aquele plástico virado no demônio que escorregava e girava e se retorcia. E olha que eu tenho uma certa habilidade manual. Imagino as pobres mães que não a tem. Se bem que Sabrina já contou que a maioria das crianças levou tudo sem encapar. Eu vivo no passado, aparentemente.

* * * * *


Nessas férias a Olívia andou. Andou e caiu, andou e tombou, andou e ameaçou correr. E correu um pouco. Nasceram mais dois dentes, agora incisivos e superiores, desses bons pra rasgar carninha. Está crescendo como bambu no mato, essa dengosa. E as férias passam rápido demais pra aproveitar isso e todo o resto, não?

Essa não era a nossa praia. Ano que vem, quem sabe?