segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Emília

A minha vó Emília foi dessas pessoas que não se vêem mais hoje em dia. Por uma série de motivos, mas principalmente porque ela sabia fazer tudo o que era mais legal e ser a melhor pessoa possível.

A minha vó sabia fazer toda e qualquer comida que fosse uma delícia - e não só aquelas massas todas com aquele molho-espetáculo, mas também a sopa mais simples, a salada mais banal, o doce mais singelo. Eu acho que até o pão francês com manteiga, na casa da minha vó, tinha outro gosto. Um gosto que eu nunca encontrei igual.

A minha vó costurava. Quando a gente era pequena, ela ainda costurava bastante - e não fazia almofadinha safada como eu, mas vestidos inteiros, trajes completos, com o tecido que fosse.

A minha vó não sabia dirigir nem usar twitter, mas a minha vó sabia tudo o mais. E o que era mais importante. Ela sabia receber, com entusiasmo e na maior paz, todas as 900 pessoas que baixavam na casa dela nos fins de semana. É que todo mundo queria muito baixar na casa da minha vó, porque sabia que lá sempre tinha algo gostoso pra comer, bom papo e um sorriso no rosto.

Ela sabia inclusive ser bem, bem engraçada, abusando de acessórios como chapéus e camisas do meu vô pra fazer encenações e palhaçadas sem igual. E sabia montar uma boa mesa de jogatina (na maioria das vezes, bingo ou baralho), pra entreter a galera dos 8 aos 80. E sabia cuidar de tudo o que era planta, até dos brincos-de-princesa que, lá naquela indefectível "casa de vó", floriam enlouquecidos.

Minha vó soube misturar as tradições diretas da Itália com as tradições típicas de Brasil. Soube bem cedo o que era trabalhar na roça e também como criar seis filhos e mais um sobrinho - todos numa casa térrea de dois quartos e meio. Soube ser a carcamana durona quando foi preciso e soube ser a brasiliana irreverente também, mostrando carinho muito menos com palavras do que com pratos deixados no forno pros filhos e beijocas e palavras doces pros netos.

A minha vó faleceu hoje, aos 90, no mesmo quarto que ela dormia há seis décadas. O quarto imaculado, cheirando a pó de arroz e carinho, com colcha de crochê, guarda-roupa encerado e uma penteadeira onde sempre esteve uma foto dela ainda jovem, de coque baixo e rosto tenso. Uma luzinha se apagou dentro de mim hoje, mas se a morte faz parte da vida, não tem o que lamentar. Sempre vai ter o que lembrar, porém. Porque a gente pode nunca mais ver a Emília risonha, fazendo nhoque e cuidando dos gerânios, mas a gente guardará a Emília dentro de nós, todo dia, em cada detalhe.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Fotografia rouba a alma, mamãe?

Se tem uma parte da gravidez que eu sempre amei demais, essa foi a hora de ver minhas meninas na telinha mágica do ultrassom. Chegar ali, deitar na maca recoberta, receber o auxílio da assistente me posicionando e melecando meu abdomen com um gel morno não foram as partes mais simpáticas. Mas bastou o(a) médico(a) vir com o bastão pra cima da barriga e a imagem surgir no vídeo, eu me roí de encantamento.

A verdade é que, no começo, não dá pra sacar muita coisa. Eu digo pra eles: "se vocês estiverem me mostrando imagens da Lua gravadas nos anos 70 e dizendo ser o bebê, eu vou acreditar." É que, nesse início, a criança é um brotinho de feijão perdido num emaranhado de entranhas cinzentas. Eles ficam lá falando "aqui é o coração, olha como bate" ou "a bexiga já está formada" - e eu acho incrível, porque não distinguo minha filha linda de um borrão ou um defeito tecnológico.

Conforme o tempo passa, a gente vê aquilo que pode: um tórax cheio de ossinhos, um cabeção lindo, pés com cinco dedos, mãos com cinc... ei, ela tem 6 dedos, doutora!!! Não era nada disso, e os profissionais se fartam de rir da minha cara.

Bem didáticos, eles mostram a placenta, o líquido amniótico, o colo uterino. E eu me pergunto "quem, diabos, quer ver colo uterino, minha tia, mostra aí o narizinho da minha garota!". A gente quer é ver o rosto, as mãos, aquele pezinho que em alguns meses vai estar levando uma saraivada de beijocas da mamãe.

Com o passar dos meses, corpinho todo scaneado, já estamos querendo só mesmo as informações centrais: se está bem, se está forte, se está de bom tamanho, se está se remexendo, se está resguardada de todos os perigos do mundo. Tem uma médica que sempre vem com uma chatices de "fotografar" o rosto em 3D - só pra reclamar que a Olívia esconde a carinha com os dois pés e as duas mãos. Desconfio que a Olívia não curte muito essa médica e que, se ela pudesse, esconderia o rosto com todos os membros e mais um chapéu, só de provocação. Bom, eu também não sou muito chegada nessa doutora, porque ela me aperta demais. Se eu pudesse, também me esconderia dela.

Fazer ultrassom é realmente ótimo, mas tem duas partes que eu dispensaria. Primeiro, é aquela pergunta constante do "trouxe um DVD pra gravar?". Eu nunca levei ou levarei um DVD pra gravar ultrassom, porque tem coisa que só encanta pai e mãe - e que é melhor guardar na memória, não na estante. Segundo é a parte "opinativa" de cada exame. Nos tempos de Sabrina-na-barriga, uma médica veio dizendo "olha... ela será pequenininha, viu?".

Só fez isso pra me provocar choro durante 3 dias pensando se a menina teria algum problema (coisa que inexistia, já que Sasá nasceu parrudamente com mais de 3 quilos). Eles chutam essas coisas baseadas em estatísticas sem medo de enlouquecer a pobre mamãe - por isso que hoje em dia eu só quero as imagens e o laudo com números na minha mão, e o resto a minha médica de confiança é quem diz. Obrigada.

Ainda assim, nada tira a alegria dos dias de ultrassom, quando a gente parece estar indo visitar nossas nenéns no mundo fantástico onde elas vivem como fadinhas nadando no lago. O último exame foi feito essa semana, e o próximo encontro com a Olívia deverá ser mano-a-mano mesmo, daqui algumas semanas, quando eu vou estar carregando a pecinha no colo e ameaçando a integridade física dela com abraços e beijinhos em excesso. A gente já se viu pela telinha, filha, e agora quero muito te ver ao vivo. Espero que seu narizinho seja fofo como nos filmes.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nunca mais outra vez

Era mais ou menos a entrada da primavera de 1982. Fazendo uma arrumação depois do inverno - aquela coisa de trocar os casacos pendurados pelos vestidos antes entocados -, a minha mãe me chamou. Ela tinha encontrado, no fundo do maleiro, meu brinquedo favorito. Meu Pequeno Engenheiro. Lembra disso?

Pois é, eu lembrava muito bem. Pedi aqueles tijolinhos de madeira com pintura imitando castelo por meses a fio - até que, no aniversário, um fevereiro antes, ganhei. Amei. Brinquei um dia inteiro, eu recordo direitinho, de manhã até o sol ir embora. Depois guardei, arrumando tudo com esmero, tijolo por tijolo, telhado por telhado, ponte por ponte (mas acho que eram só duas pontes... enfim).

Brinquei de novo no dia seguinte, e tornei a guardar na caixa. Dali uns dias brinquei mais algumas vezes, sempre retornando todos os itens na caixa, contados e organizados com face pra cima. Um tempo depois, eu não queria mais brincar toda hora com o Meu Pequeno Engenheiro porque não queria que sujasse ou saísse a tinta. Ele serviria só pra ocasiões especiais, decidi, como no dia em que os Playmobils precisassem fazer fantasiosamente uma viagem pra um castelo inglês ou algo assim. E lá os tijolinhos ficaram, encerrados no armário, protegidos, resguardados e muito, muito seguros.

Meses e meses depois, na tal arrumação da mamãe, o tesouro resurgiu como um fóssil de dinossauro no deserto do Piauí. E sabem o que tinha dentro? Cada pequeno retângulo e triângulo madeirado, todos juntinhos, todos... possuídos por mofo. Casa em São Bernardo do Campo, SP, há 28 anos, quando o clima da Terra ainda previa muita garoa na área era assim.

Impregnação verde instalada, não teve mais jeito de brincar com os tijolinhos, porque eles me faziam tossir feito um cachorro tuberculoso. Foram sumariamente descartados. E naquele dia, com lágrimas nos olhos e um rabanete nas mãos (não, acho que essa foi outra garota...), prometi pra mim mesma que jamais guardaria outro objeto querido novamente. Nunca mais deixaria "pra mais tarde".

Aprendi mesmo a lição, ainda que na tenra idade. Dali por diante não reservei roupas pra usar em ocasiões especiais, não muvuquei pratos bonitos pra dispôr em jantares comemorativos, não deixei pra comer ou beber posteriormente aquilo que parecia tão bom de comer e beber na hora. Tudo bem, teve aquela vez em Los Angeles em que eu quis tirar uma fotografia da piscina iluminada à noite, não tirei e, no dia seguinte, a lâmpada estourou e nunca vieram consertar, eliminando as chances de clicar a imagem. Mas foi só essa vez!

Esse negócio de separar o filé pra depois nunca dá certo. Em Veneza, vi na vitrine um colarzinho de vidro artesanal que achei lindo - mas bateu uma incerteza e decidi pensar melhor e, caso quisesse mesmo, voltar outra hora. Dei dois passos adiante... dois de volta... e comprei o colar. Foi uma sábia decisão: mesmo tentando, nunca mais achei aquela viela (porque em Veneza a gente se sente um bêbado sem rumo, os becos não têm placa e é quase impossível refazer um mesmo caminho).

Tento repassar delicamente essa informação pra que outros não sofram pelos seus tijolinhos (metaforicamente) como eu sofri. Mas essa semana mesmo o Dono da Casa abriu uma caixa pra apanhar suas preciosas ferramentas de marcenaria importadas e... bom, elas tinham enferrujado de tanto ficar guardadas. Eu sei o que ele sentiu. Dei dois tapinhas nas costas, um beijo no rosto e disse "eu já te contei a história do Meu Pequeno Engenheiro, não contei?". Ele acenou que sim com a cabeça e respondeu "já entendi". E mais um aprendeu a dura lição do desapêgo e sobre como é importante aproveitar certos momento na hora, até o osso, sem medidas. Ela sempre vem mesmo, ainda que tardia.


Saudade de vocês, que eu deixei partir por ser muito trouxa...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Try a little tenderness...

Meu banco de dados mental serve pra bem pouca coisa, aparentemente. Mas ele nunca deixou de funcionar - e funciona bem pacas - quando se trata de guardar umas passagens de filme meio toscas, meio tolas e muito relevantes se a gente as analisar bem. Por exemplo: eu sempre gosto de lembrar daquela metáfora que a Sandra Bullock usa em "Divinos Segredos" para descrever as pessoas que vivem arranjando picuinhas pra se entreter: "eles mastigam o problema até perder o gosto e depois o grudam no cabelo"; e também adoro quando Alvo Dumbledore diz a Harry Potter, se não me engano em "O Enigma do Príncipe", que ele é um menino gentil, e que muitas vezes a gentileza é um virtude muito subvalorizada. Eu acredito no mesmíssimo.

A gentileza não só é uma virtude esquecida e marginalizada como ela vem sendo dia-a-dia ainda mais perdida. Ser gentil está quase virando um defeito, de tanto que todo mundo abandona o hábito. Ser gentil é quase... quase... como ser um idiota.

O pior é que a gentileza é uma daquelas virtudes que se pode aprender em qualquer parte da vida, se pode exercer sem custos, se pode promover em qualquer lugar, a qualquer hora, de um segundo pra outro. É rápida e fácil, mas ainda assim cada vez menos explorada.

Acho que todo mundo acaba se perguntando "mas pra quê?" ao pensar em ser gentil. Deixar aquela senhora passar na frente na fila "pra quê?". Ceder espaço na cadeira pro homem que leva muitas sacolas "pra quê?". Pra nada, eu acho. Só pra ser gentil mesmo...

Os dias vão nos levando a ser cada vez mais fechados, desconfiados, ensimesmados. Quando a moça embica o carro pra entrar na via, a maioria decide acelerar mais um pouquinho, em vez de deixá-la passar na frente. Leva-se pro pior lado possível - de que ela "levará vantagem" se entrar primeiro. Mesmo se tratando de 2 metros de diferença e 8 segundos de tempo a menos para chegar no destino. Dá no mesmo. Mas ser gentil "pra quê?".

Talvez a resposta seja "pra todo mundo entrar na mesma sintonia de respeito e deferência junto ao próximo"? Eu vejo a cara de estranhamento que o pedestre faz quando eu paro o carro e aceno pra que ele atravesse antes - mesmo sem semáforo, faixa ou guarda me obrigando a isso. As pessoas nem entendem mais o que é gentileza! Não praticam porque desconfiam e relutam em aceitar porque desconfiam mais ainda!

Desse jeito, logo vamos virar uma sociedade muitíssimo da estressada, da amarga. Em vez de sorrir pro outro humano, dizer bom dia e segurar a porta pra que ele passe, a alternativa será franzir o cenho, fazer cara de calçada e se arremessar adiante pra entrar primeiro? Eu recuso, obrigada. Ainda acho mais bacana me dispor a pagar o cafezinho, dar a carona, carregar o que é pesado, baixar o volume, responder um e-mail como se deve, ou só mesmo ligar, dizer umas palavras carinhosas, saber se está tudo bem, fazer um elogio, dar apoio a uma ideia.

Talvez adiante alguma coisa explicar que, sendo gentil, nos sentimos bem. É gostoso ser gentil, mas nem é só isso. Ser gentil não vai nos fazer melhor que os outros, mas isso traz, sim, uma grande sensação de liberdade. Dentre tudo o mais - a pressa, a fome, o saco cheio e o cansaço - eu escolho a gentileza. A gente pode escolher, a gente devia escolher. E sim, eu acredito, como Dumbledore, que isso é uma virtude das grandes.


Velhote sabido, ainda que fictício

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Então fica tudo como antes, ué

Tudo bem, eu sou viciada confessa em reality shows, mas me resta uma centelha de poder crítico sobre eles: a maior parte do povo que participa desses programas é bem cretina. E olha que nem estou falando do Big Brother.

Falo dos programas específicos que se dispõem a mudar alguma coisa na vida dos participantes voluntários. E são inúmeros. Eles querem dar um tapa na figura, na casa da figura, no cabelo da figura, nos filhos da figura... Bom, esses não levam um tapa do reality, só dos pais alucinados mesmo.

São dezenas de shows assim, que querem mostrar às pessoas como viver melhor em todos os termos - de ter uma alimentação mais saudável até um guarda-roupa mais ajeitado, passando por animais de estimação menos histéricos e garagens menos lotadas de tranqueira. Acho válido. Acho muito válido. Aparecem dicas até que bem boas por ali! Mas o pessoal que participa sempre acha de arrumar encrenca.

É incompreensível, eu juro. A mulher vai lá e se candidata a cobaia do "Esquadrão da Moda", um programa sabidamente comandado por sádicos fashionistas que não toleram camiseta com frase engraçadinha e sapato puído. Pois a doida vai, se habilita a participar e, quando o caldo começa a engrossar, quer pular fora. Quer vestir a mesma blusa apertada e reclama à beça do novo sapato de saltinho. E se recusa a cortar a juba e fazer uma maquiagem light. Então por que não ficou em casa, sendo um bicho-do-mato desbeiçado, em vez de ir lá meter as caras na televisão?

O mesmo acontece com os voluntários de realities sobre arrumação de casa. Pedem a ajuda do especialista em organização porque estão soterrados em baderna - e quando o sujeito começa a sujar as mãos e dar fim àquela balbúrdia de objetos que entulham a sala, o quarto, o sótão e o porão, quase caem no choro, se apegando como nunca à coleção de tampinhas de garrafa. Eu não teria paciência: diria logo "ok então, palhaço, fica aí morando no lixão, deixando seus filhos almoçarem em cima de caixas velhas".

Daí segue para a pessoa que recebe o chef de cozinha em seu restaurante falido e se recusa a ouvir as críticas, dizendo que "camarão com chocolate é um prato refinado e gostoso, sim!". E tem quem aceite participar do programa de emagrecimento, mas depois trapaceie nos exercícios físicos e reclame de trocar o frango frito na banha por uma salada de beterraba. Mesmo estando acima dos 140 kg. Ué, fica obeso, doente, cansado e anônimo então, cacete!

Aceitar fazer parte de um desses programas vai ter contra-indicações, é claro que vai. Eles querem mesmo é tirar o couro de quem se candidata - afinal, que graça teria deixar tudo como antes, servindo coxinha aos gorduchos e permitindo que a hipponga seguisse usando camiseta tai-dai pra trabalhar? Não, não: o pulo do gato dos reality shows desse tipo é tirar o sujeito daquela rotina destrutiva, sacando-o da zona de conforto e apresentando um admirável mundo novo. Muitas vezes, não um mundo muito mais incrível, mas apenas o mundo da maioria das pessoas.

Se isso tira a individualidade? Muito provável que sim. Se é um massacre psicológico? Bem provável. Mas então é bom pensar bem antes de embarcar, porque uma vez lá dentro não deverá ser como num Big Brother, onde o cara entra marombeiro bobão e sai marombeiro bobão. E isso parece uma boa coisa.


Não quer sua roupa cafona no lixo, não se candidate!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Alex "Atalho" e o potinho de caldo

Daí eu assisto descrente aquela propaganda da Knorr sobre um tal caldo que vem em potinho e parece uma gelatina (uma gelatina de grama aparada, diga-se). A descrença nem corre por conta do lançamento, porque esses "produtos-atalho", que servem para queimar etapas na cozinha na base dos conservantes, não são lá uma novidade. O que espanta é o garoto-propaganda do troço ser o renomado, tarimbado, celebrado e puxa-sacado chef Alex Atala.

Alex tem dois dos restaurantes mais famosos de São Paulo, DOM e Dalva e Dito, que já saíram em tudo quanto foi publicação gastronômica daqui e de fora. Uma vez - não como civil pagante, claro - eu já fui jantar magicamente no DOM. Como disse ao próprio chef na saída, ao lhe apertar a mão, a alegria da refeição não foi nem pelos pratos, que estavam simplesmente deliciosos, mas porque toda a degustação de oito porções foi como uma viagem, uma experiência. Foi bom demais mesmo - e ali eu entendi o porquê da fama do Alex. Ele tem a manha.

Só que aí, né... Bom, eu suspeito que esse negócio de manter o negócio custe muitos dinheiros. E tem a casa pra pagar, as escola dos meninos, uma viagem de férias pra Caxambu... E o Alex deve ter ficado tentado com o volume de verdinhas, umas sobre as outras, que a Knorr ofereceu pra ele ser porta-voz desse novo produto. Aceitou, assim, dizer em público que caldo pronto é uma boa pedida pra... pra... pra quê, mesmo?

A panela de carne que ele remexe no comercial parece apetitosa bem antes de ser colocada sobre ela aquela maçaroca esquisita. Se queria dar um toque de mais sabor, o nobre consumidor também poderia usar caldo feito em casa em vez de apelar pra gelatinazinha cor-de-burro-quando-foge. Mas que nada. Alex achou por bem recomendar o caldo pronto, coisa que eu não compreendo.

Caldo pronto tem sabor de graxa, pra começo de conversa. Aqueles tradicionais, quando "dissolvidos" (porque graxa não dissolve em água mesmo), formam uma borra nas laterais da panela, parecendo piscina de clube depois que a horda lambuzada de protetor solar mergulhou o dia todo. É meio nojento, vamos ser sinceros - e um recurso que só usa quem está no desespero de causa, com as visitas pra chegar e sem sal na despensa.

O novo caldo parece se dizer mais "natural". Porque é molenga, talvez, e não um tablete duro com cara de biscoito canino? Mas não é. Nada que fica na prateleira do mercado sem refrigeração e guardado num pote plástico com rótulo pode ser, assim, supernatural. Talvez tenha menos conservantes, mas ainda assim é um produto de fábrica, estabilizado e conservado e adicionado de trocinhos químicos.

Não que eu seja lá uma natureba de carteirinha que refuta caixinhas, pacotes e latas, não é isso. Mas, poxa... é um caldo, gente. Pra fazer um de verdade, leva nem cinco minutos - basta colocar um litro de água pra ferver com os legumes, a carne selecionada, ervas se for o caso, sal, azeite... É cuisine for dummies.

Quando faço sopa pra Sabrina, já separo até um pouco do caldo e congelo, que é pra ter uma porção prontinha na hora de fazer um risoto ou coisa assim. Não precisa ser muito esperto - e nem pagar o preço do caldo industrializado.

Daí o Alex vem com aquela história de ser mais prático, ser mais rápido, "agradar ao paladar mais apurado"... Ah, faz favor, hein, chef? Vergonha na cara, né? Duvido que lá no DOM qualquer um esteja autorizado a meter caldo Knorr nas panelas de cobre. E nem me venha com a desculpa do "mas restaurante é diferente, e a 'dona de casa' não tem tempo...". Tempo se arranja. Quem quer comer melhor, arranja.

A genial agência de publicidade da Knorr ainda tem uma pachorra extra: no canal GNT, passa o anúncio de um novo programa do chef inglês Jamie Oliver, no qual ele vai aos Estados Unidos se horrorizar com a merenda escolar e alimentação geral da nação. Pois acaba o teaser, lá vem o "Apoio: novo caldo Knorr...". E a cara do Alex Atala ali, servindo comida com caldinho pronto pras crianças. Bom dia, incoerência!

Minha opinião é que é desnecessário pra um chef de tamanho sucesso se prestar à função de propagandista de coisas que ele mesmo, aposto, não usa. Mas, né, quem sou eu pra dizer... Só alguém que acha meio desagradável dar aos filhos uma comida feita com caldo de caixinha. E você, o que acha?


Saúde e paladar se revolveram no túmulo, Alex...