terça-feira, 27 de julho de 2010

Holiday road

Além de cuidar das minhas meninas, escrever e ter sempre um bom objetivo futuro, meu moto de vida é viajar. Bastou passar um bonde aqui na porta - com destino a Moscou, Vegas ou Santa Rita do Passa Quatro - eu me atiço pra embarcar. E tem coisa melhor? Novas vistas, novas pessoas, novas experiências, novos conhecimentos, novas culturas. Em geral, eu confesso, prefiro embarcar nessas coisas todas a bordo de um grande passarinho de metal. Mas viajar de carro, opa, tem lá todas as belezas também! Eu as redescobri.

Porque quando eu era bem pequena, tudo o que a gente podia fazer era embarcar na Caravan bege do papai mesmo. Nada de passarinho de metal pra nós, éramos um bando muito custoso. De carro, a gente conheceu todo o interior de São Paulo e uma gorda parte do sul do Brasil, que meus velhos adoravam (e ainda adoram). Era divertidíssimo, lá pelos 6 anos, entrar nessa parada. Mesmo meu pai fazendo tão poucas paradas...

Eram looongas horas no banco traseiro ou mesmo no porta-malas - sim, a gente tinha comportamente periclitante nos anos 80. Talvez por isso, com o tempo, viajar de carro passou a ser um martírio. Um porre. Um saco do tamanho do Amazonas. Nem pegar o mapa rodoviário e encontrar nomes de cidades como Vira Onça, Canastrão ou Barcelona tinha mais graça. Nem contar os postes. Nem provocar a minha irmã, esporte favorito daqueles tempos.

E eu aposentei compridas viagens de carro da minha preferência. Dono da Casa sempre insistiu pra irmos mais vezes - "quem sabe Brasília? Quem sabe Curitiba? Vamos só até o Rio, vai?". E eu, que nada. Daí vieram essas férias, Sabrina doidinha pra ir dar umas bandas pelo mundo (porque quem sai aos seus não degenera) e... houve uma barriga de Olívia no meio do caminho.

Barriga esta que não cabe num avião. Vamos então... de carro?? Pois é, de carro. Eu mesma tive a ideia, escolhi lugar, pesquisei pousada. Devia estar possuída pelo espírito de meu pai. Mas pelo menos não fiquei reclamando do tamanho da mala de ninguém. E semana passada, assim, entramos nessa onda com gosto e tomamos o rumo da doce, iluminada e santificada Minas Gerais. Tiradentes, pra ser mais precisa.

Fazer malas foi facílimo, que eu estava é acostumada a compactar as posses pra caber no gosto das companhias aéreas - e, portanto, levar quanta roupa eu quisesse, quantas sacolas extras me aprouvessem e quantos bichos de pelúcia Sabrina desejasse foi uma farra. Fiz com gosto até o embornal de comidinhas pra devorar no carro, composto por muitos sucos, frutas resistentes e um pacote indecente de biscoito de polvilho!

Seriam quase seis horas pra ida, outras seis para a volta. E foram. Foram diversos CDs tocados, vários jogos de "adivinha o bicho" e "adivinha o objeto" com a insone Sasá, muitas horas de papo furado. Notei passarem os canteiros de morangos, depois os pés de laranja, depois os pés de café e então as centenas de vaquinhas leiteiras. Percebi que as viagens de carro podem mesmo ser cansativas, dolorosas até, mas que encanto pros olhos...

Nenhum avião pode fazer isso por nós. Ah, ok, eles podem nos levar sobre oceanos, coisa que a banheira do Dono da Casa ainda não faz, mas tem aquele lance de ficar confinado no ar cheio de vício, na poltrona apertada, com o banheiro limitado e a falta completa de vista. Pra não falar na comida de bordo, nos atrasos e na comissária com jeito de militar-poucos-amigos.

De carro a gente parou pra almoçar no posto e tomar picolé; esticamos as pernas quando bem entendemos, rimos dos carros superlotados de tralha, fotografamos a estátua do Pelé em Três Corações e paramos pra ouvir a conversa fiada do adorável proprietário do "Rei da Traíra" (que serve um prato só, tem nem cardápio, uma delícia!).

Foram cinco dias de diversão tranquila e encantadora na antiga Vila Rica, com muita culinária de fogão de lenha, muito passeio de charrete, muito sono, muito sol, muita água da bica. Foram também as tais 12 horas de viagem no carro. E foram fabulosas. Com elas, o moto de vida continua, agora com ainda mais possibilidades.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Respeitável público, bem-vindos ao espetáculo!

Vida de mãe é assim como... como... como comandar um circo. É sério.

São dias e mais dias trabalhando como malabarista, a princípio. A gente fala ao telefone sobre trabalho enquanto faz a lista de compras, nana o nenê no carrinho com o pé e mexe a panela de arroz com a mão que sobra. A gente cuida do fluxo diário da casa, coordena as atividades escolares da molecada, recebe e despacha entregadores de produtos, frita o peixe e olha o gato ao mesmo tempo. Os pratos - ou lenços, ou espadas, ou bolas - estão constantemente no ar pedindo pra serem mantidos assim, em movimento. Por vezes um despenca, e então o público grita aquele "óóó!" indignado. E emburra um pouco a mãe-malabarista.

Para essas horas temos a outra faceta, a de domadoras de leões. Muitas vezes já pensei em apanhar cadeira e chicote pra manter o povo faminto ou irado há uma distância segura de mim. Mas é preciso mais que isso, é preciso conquistar a confiança de todos na base do pulso firme, da voz mandona e do afago de recompensa. Dando certo, eles passam a deixar que eu coloque a cabeça na boca deles.

Mas, confiança conquistada, tem aquele porém: é preciso manter o padrão. E toca andar na corda bamba todos os dias, equilibrando a chatice com os gracejos, a ordem com o conselho e assim por diante. Chegando na outra ponta do fio, tudo bem; se acontecer a queda... bom, eu espero que o pessoal entenda e me dê aí a lambuja de uma rede de segurança.

É preciso ser um pouco contorcionista para cuidar de tudo com habilidade e ainda ver o pessoal sorrir. E é sempre bom fazer isso com a delicadeza de uma bailarina, pra não ser chamada depois de canhão-humano. Mesmo que, de vez em quando, o que a gente se sinta mesmo é... ah, meio palhaça.


Hoje tem marmelada? Todo dia tem, sim senhor!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Lucy

A Lucy me deixa meio louca às vezes. Mas como a Lucy é quem sabe melhor passar, melhor lavar, melhor esfregar, melhor tirar aquela camada de pó de dois dedos que se forma sobre meus livros, eu mantenho a Lucy sempre por perto.

A Lucy faz faxina aqui em casa tem pra lá de cinco anos. Ela chegou quando a Sabrina ainda era um bebê-minhoca que se contorcia pra pedir leite. E foi ela quem me deu água com açúcar pra beber quando a Sabrina rolou feito uma minhoca suicida da cama e caiu de cabeça no chão.

A Lucy me deixa muito puta quando ela quebra certas coisas que falam alto ao meu coração, como o carrinho que o Dono da Casa ganhou do pai dele ainda criança. A Lucy também me faz querer mastigar meu próprio braço de raiva quando sapeca uma blusa nova com o ferro ou quando está doente e não pode trabalhar - mas só me avisa isso aos 49 do segundo tempo.

Mas a Lucy cuida da minha casa como se fosse dela, isso eu acredito. Dá um duro danado, essa mulher, eu nem sei de onde vem tanta energia. Eu sou uns 40 centímetros maior que ela e certamente tenho uns bons 20 quilos a mais. Mas quando a vejo erguer a poltrona ou bater as almofadas, tenho a impressão que, num mano-a-mano, ela me daria um couro sem precedentes.

A Lucy é a única que eu tolero aqui em volta - e, mesmo assim, só uma vez por semana e por umas 7 horas no máximo. A gente nunca teve babá ou empregada fixa. O pessoal estranha muito, porque hoje em dia parece que a conta é: "ter 1 filho = ter 1 babá" e "ter 2 filhos = ter babá e empregada" (quando não é "ter filho, emprego e casa = ter babá, empregada, cozinheira, motorista, office-boy e o que mais comportar").

A maioria estranha, mas eu não. Trabalhando em casa, preciso de uma certa paz e rotina pra conseguir me concentrar. E só a Lucy já fala pelos 19 cotovelos dela. Não se enganem, eu falo pelos meus 28 cotovelos também. Mas a Lucy fala bem na hora que eu preciso despachar a matéria, ou colocar a Sabrina no prumo, ou resolver coisas ao telefone, ou quando estou do outro lado da casa (e preciso voltar pra ouvi-la falar mais o final do assunto).

E olha que a Lucy fala que fala e fala pacas de doença. Tem sempre um achaque, essa mulher. Mas eu acho que a maioria é piração, porque a Lucy tem a mente mais hipocrondríaca que a minha. Olha que pra EU dizer pra alguém "deixa de bobagem, você não tem câncer, olha aqui o exame!" é um avanço.

Mas acima de tudo e apesar de tudo, a Lucy é quem vem aqui fazer aquilo que eu não consigo e não sei fazer pra deixar a nossa casa em ordem, cheirosa, brilhante. Eu nem preciso dizer o que ela deve fazer. Aliás, eu não saberia dizer - primeiro porque ela sabe melhor, segundo porque eu sou um horror pra mandar nos outros. Ok, mandei em alguns estagiários, alguns repórteres... mas era na minha área. Mandar usar detergente em vez de sapólio, papel em vez de paninho, água em vez de cera... Isso eu deixo pra Lucy resolver. Mesmo que às vezes me pegue pensando "porra, quem manda em quem por aqui??".

É que ela me deixa louca às vezes, mas tem coisa que não se discute com uma mulher forte, decidida, meio pirada e com 40 anos de trabalho, literalmente, nas costas.


A mão que tanto me ajuda

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Em fuga


Eu queria saber o que a gente faz quando recebe o primeiro bilhete da filha dizendo, com suas próprias letras e palavras figurativas, "Oi, eu vou pra casa da Vovó".

Chamo os tiras? Dou de ombros e espero passar? Procuro saber se ela levou meu cartão de crédito na viagem? Bom, talvez tudo isso seja inútil, e o mais importante seja ter uma boa conversa e dar um colinho de consolo. Afinal, o motivo da fuga anunciada foi apenas um desentendimento bobo sobre brincar com água em cima da cama.

Mas uma coisa eu sei: que orgulho me dá conviver com essa garota tão rara e docemente rebelde...

PS.: Ela decidiu não ir ainda pra casa da Vovó e segue vivendo por aqui. Mas avisou que vai se mandar quando tiver 18 anos. Eu acredito que vá mesmo.