quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um monte de coisa pra comprar, cheiro de cravo e canela, tenha um feliz Natal aê!

Paz e harmonia, parece, só nos cartões da Hallmark mesmo. A época chegou faz 22 dias e lançou o cotidiano pelos ares, badernando as atividades todas. Todas! Não se pode estacionar em parte alguma, não se pode almoçar fora sem apanhar fila, não se pode botar o nariz pela janela sem escutar "Jingle Bells" em três idiomas e na versão instrumental - eu já ouvi uma no alto-falante do mercado que era tocada só com gaita. Fiquei apavorada e fugi.

* * * * *


A televisão perdeu o jeito pra época natalina, uma pena. Não passa mais nada de legal, nenhum daqueles 345 filmes cretinos que eu assistia de pequena. Nem o Rodolfo vem mais pra festa, se anunciando com seu nariz vermelho aceso e o "magnífico" efeito do stop motion. Nem passa mais aquele "Papai Noel Existe", no qual uma das Panteras mora no pólo norte e trabalha perfurando poços de petróleo sem acreditar no Bom Velhinho (pra depois ir conhecê-lo pessoalmente, se encantar toda e pagar pau pra ele). Se tivesse no DVD, eu alugava. Mas acho que nem em VHS...

* * * * *


Sabrina incorpora o espírito de Natal como ninguém mais que eu conheça. Ah, sim, ela escreve a cartinha pro Noelzão, ela deseja que o presente venha logo e tudo isso. Mas ela também matuta lindamente sobre o processo - e hoje veio querer saber se, quando Noel fabrica, digamos, um coelhinho de pano, ele tem cestos separados para armazenar o corpo fofo, os narizes rosados, os bigodes etc.. Além disso, ajudou a fazer uma rapa no armário e selecionar brinquedos e roupas para crianças que têm menos que ela. Fez na maior alegria. E não surrupiou nada de volta das sacolas.

* * * * *


Semana passada deu a louca aqui e decidimos parar de palhaçada, abrir a embalagem do tender, fazer um belo molho para mariná-lo com mostarda, shoyu e um toque de mel e metê-lo no forno. Com o macarrão e a maionese de batatas, ficou um almoço delícia. Foi como adiantar o Natal em 8 dias. E agora já estabelecemos a tradição: tender antecipado todo ano! Nada mais de ficar esperando a noite feliz para comê-lo de um jeito que não é do nosso gosto, frio, seco e rodeado de uns pêssegos e abacaxis malignos.

* * * * *


Um dia eu sonho passar o Natal no frio de verdade. Com neve real, pinheiros feitos de clorofila e não de plástico e no qual as comidas pesadas façam algum sentido. Se rolar um caos aéreo, eu até assimilo, tamanha a vontade.

* * * * *


Passou por mim no shopping, anteontem, uma moça com umas 12 sacolinhas em punho. Uma era de roupa, outra era de sapato e as demais eram todas da mesma loja de perfume. Eu achei que ela operou por instrumentos e não teve criatividade alguma pra dar presente. Dono da Casa achou que ela foi esperta e chegou em casa 3 horas antes de nós.

* * * * *


Uma vez eu ganhei uma boneca no Natal que até me emocionou. Era linda, fofa, toda de vestido azul, cabelinho castanho brilhante e cacheado, pilhas ajudando a falar umas seis frases robóticas completas. No dia 25, na primeira brincada, decidi dar pra nova filha uma papa de fubá com água. Ela nunca mais emitiu qualquer palavra e, assim, virou uma boneca comum. Mas eu continuei amando aquela muda.

* * * * *


Olívia parece já ter aprendido o que é Natal. Se pudesse falar, ela diria que é uma época na qual todo mundo grita bastante em restaurantes, mostra muitos dedos no trânsito, reclama deveras de calor e de dinheiro e na qual tudo cheira cravo e canela. Aliás, se ela pudesse falar, aposto que diria "quanto falta pra acabar o Natal, mamãe?".

* * * * *


Mesmo o Natal dando muita dor na coluna e enchendo um pouco o saco, eu sempre gostei dele. Acho gostoso fazer toda a preparação, a decoração, a compração de presentes e beliscos. Não gosto de certas obrigações que ele traz, de passar a noite com gente demais ao redor e de saber que algumas pessoas se deprimem com ele. Mas todo ano tem, então vamos encarar. E logo mais, viva!, estaremos felizes abrindo pacotes da Hering, bebendo champanhota gelada e separando as passas do arroz!

Sendo assim, nossa família aqui deseja pra sua família aí uma noite realmente feliz, dessas de cinema e com gosto de infância! Que o Natal de todos seja tão bom quanto vocês o fizerem!

São os votos da Sócia da Light, do Dono da Casa, da Sabrina e da Olívia!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Medo de menina

Olha, cada dia era um susto, viu? Meus anos de criança foram lindos e ótimos e felizes, mas tinha cada neura embutida ali... Fora os medinhos comuns de petiz, como dormir sem deixar nenhuma ponta de pé ou mão fora do perímetro da cama, de puro pânico que "algo embaixo da cama" me puxasse, tinha outros. Muuuitos outros.

Pra começar eu tive medo do básico: do primeiro dia de aula, do pirata que ilustrava o fascículo de História da enciclopédia "Conhecer", de me perder da mamãe no mercado. Tive medo ainda de que meus pais se separassem a cada briga deles, de que minha mãe fosse presa na greve ou de que meu pai perdesse o emprego (vai ser criança nos anos 80, no ABC Paulista, com família metalúrgica e Maluf governador biônico, pra ver se você não faz xixi na calça de pavor...).

Mas então, ao crescer só mais um pouquinho, vieram medos muito típicos de menina. Eu tenho certeza, moleque algum sofreu com aquilo, era coisa só de menina. Por exemplo: ainda pequena eu passei a temer que amigas de cantos distintos, como a amiga da rua e a amiga da escola, se conhecessem e se adorassem, me deixando de lado.

E aconteceu, viu - o que mostra que medos infantis nem sempre são improcedentes. Aconteceu, sim: minha amiga Vanessa veio brincar em casa e conheceu minha amiga Laura. E as duas se entenderam de cara, deixando a mim, na qualidade de "amiga velha", um pouco largada. Durou uma tarde, mas pareceu uma vida.

Teve também o medo contrário. Uma vez minha prima Cássia, então amiga unha-e-carne plus parente de sangue, veio brincar e quando se juntou à nós a Daniela, amigona da escola, se odiaram eternamente. Durou uma tarde, mas... não, aí pareceu só uma tarde mesmo. Eu já estava grandinha.

Grandinha, no entanto, me assolaram medos ainda maiores. Por exemplo, o medo de não ser mais vista pelos meninos como um membro da gangue, mas... aimeodeus!, como menina! Sim, eles um dia param de nos ver como aquela que joga bem futebol para nos ver como humana com curvas. Pois é. Éca. E quando começaram a fazer graça dizendo que o Danilo gostava de mim, então, eu quis cavar um buraco até o lençol freático e por ali nadar até o mar.

Coitado do Danilo, nisso tudo, que se tornou objeto de aversão pra mim. Não podia mais olhar o menino no rosto. Não podia sequer almoçar no mesmo mesão que ele (mesmo havendo cerca de 22 lugares ocupados entre nós). Ficava vermelhíssima e com ataque de pânico.

E vieram medos similares - de que a saia do uniforme levantasse com o vento; de me acharem "menos menina" porque a nota foi baixa; de descobrirem minha paixonite pelo menino-gênio da classe. Veio o medo de não ter par no bailinho (nunca aconteceu), de não ter uma amiga na mesma sala quando mudava o ano letivo (nunca aconteceu), de ser alvo de chacota e perseguição pela molecada "famosa" da escola (aconteceu pra cacete, anos a fio).

À maioria dos medos, eu sobrevivi. Vieram outros em plena fase adulta, é claro, mas a gente vai encarando melhor. Hoje os medos são raros - grande parte relacionado à vida das minhas filhotas, à integridade física do Dono da Casa e aos sapos (o medo desses bichos malditos nunca me largou, do berço à universidade, que inferno...). Ah, tem também o medo abissal que me domina toda vez que abro o internet banking, mas, né... O negócio é ignorar do mesmo modo que ignorei o "algo embaixo da cama", virei pro lado e dormi.

O medo pode vir, nem ligo. Eu sempre vou ser uma menina cheia dele mesmo. E sempre tentando ser mais e mais valente.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Todo dia ela faz tudo sempre igual

Quando a Sabrina nasceu e completou 4 dias, nós fomos visitar pela primeira vez o Dr. Labib. Pediatra e Mestre dos Magos (ele gahará um post só pra ele aqui em breve, aguardem), Dr. Labib sempre foi direto e reto sobre alguns pontos. O primeiro deles foi a rotina - e hoje eu considero que esse talvez tenha sido o decreto mais importante que ele baixou sobre nós aqui.

Logo nessa primeira consulta, o doutor informou que deveria ser assim, ó: "troca fralda, mama, põe dormir; dali 3 horas, troca, mama, põe dormir; e depois de 3 horas, troca, mama, dorme. E assim vai". E foi. Mas quando contei o procedimento pra alguns chegados, ouvi uns "oooh!" de indignação. "Mas e se ela acordar e chorar e quiser mamar depois de 2 horas, não pode dar??". Não, é pra enrolar. "Mas e se ela fizer 'coisas' na fralda enquanto mama, coloca dormir assim??". Coloca. As fraldas de hoje têm tanta camada de proteção que ela poderia fazer piche ali e ainda estar segura.

Bom, a gente enfrentou essa saraivada de palpites, mas decidimos manter o que mandava o doutor. Quando o processo mostrou que a Sabrina ficava muito bem assim, emplacamos também a rotina das comidinhas em intervalos firmes, das sonecas com hora cravada, do combo "banho-leite-historinha-luzapagada".

Mais uma vez a gente ouviu uma série de pitacos - que éramos muito CDFs, que a menina ia se encher disso e se rebelar, que estávamos exagerando. Então: mas nós fomos é percebendo que a Sabrina ficava muito confortável assim. Estava cada dia mais segura, mais tranquila, mais obediente. Não precisava ficar nervosa porque cada dia a coisa corria de um jeito e nem endemoniada, porque já conhecia as regras. Fez bem pra ela. Como o Dr. Labib disse que faria. Ponto pro velhinho!

Tudo bem, é verdade: tivemos que recusar muitos convites pra festinhas depois das 21h, pra jantares noite adentro, pra gincanas de dia inteiro com visitas, shopping, parque e cinema numa tacada só. Recusamos pra vir pra casa, colocar a meninota no prumo, deixá-la mais calma, cair de novo na rotina. Foi chato às vezes. Mas o ganho era claríssimo.

Quando conto que a Sá dorme religiosamente às 20h sem reclamações, come almoço e jantar sozinha, sabe a hora de dar comida aos peixes do aquário, de vestir o sapato, de escovar os dentes e se mandar pra escola, vejo caras de espanto. Pra nós, espanto algum: ela conhece sua rotina e está muito contente com isso.

E a tal rotina, aliás, tem até um bônus bacana: vira festa quando ela é quebrada! Agora que Sasá tem 5 anos, está autorizada a zoar o barraco de vez em quando, só de curtição. Tem dia que pode jantar pizza ou hot-dog, tem dia que pode ir na festinha dos amigos e pular até tarde, tem dia que pode até desmaiar no sono sem nem tomar banho. O dia de quebra da rotina serve pra mostrar que ela é importante - e depende só de nós.

Com a chegada da Olívia, há quase 3 meses, fomos lembrados pelo Dr. Labib sobre a implantação da rotina de novo. Voltamos aos dias de olhar no relógio regularmente, não avacalhar nas atividades em casa e fora dela e não cair em chantagem de nenê safada que quer nanar só no colo. Lilica já gosta dos seus dias com hora marcada - e, aos detratores da tática, tenho a dizer que ela já dorme das 22h às 6h de uma estirada só, essa belezinha! Rotina é bom, e toda criança gosta. Mesmo sem saber disso.


Todo dia elas fazem tudo sempre igual
me sacodem às 6 horas da manhã
me sorriem um sorriso pontual
e me beijam... com essas boquinhas não exatamente de hortelã*


*Seo Chico Buarque, descupaê a licença poética ao deturpar "Cotidiano", tudo bem?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Quer saber um segredinho?

Deixa eu contar um segredo valioso sobre as mulheres - mais especificamente sobre as mulheres que são mães, que trabalham muito e ganham pouco e que têm só faxineira e não uma diarista ou um séquito de babás: elas aguentam de tudo.

É sério, anote a informação porque vale a pena: essas indivíduas não têm limites, elas aguentam de tudo. Na verdade verdadeira, nem tudo, mas o segredo maior é esse, é saber até onde ir. Porque elas aguentam muito mesmo - tipo aqueles iaques que ajudam alpinistas a galgar o Everest, sabe? Quando parece que o bicho já está abarrotado com barracas, roupas, comida e um home-theater completo, ainda dá pra atrelar mais uns dez fardos nele.

O tipo de mulher descrito acima é assim. Pode se esfolar e cumprir todas as tarefas profissionais mais duras e impossíveis; pode dar conta de toda roupa, de toda louça, de cada migalha do chão e do sofá; pode nanar a criança enquanto penteia o cabelo, almoçar e falar no telefone, fazer uma fantasia de super-herói usando apenas um pijama velho e meio rolo de papel-alumínio.

Ela podem tudo, tudinho, mas aí... Aí vem aquele que quer dar uma de super-esperto e pede uma coisa a mais; ou faz uma crítica ácida; ou tira um sarrinho. E pronto. Meu amigo: não queira estar perto dessa "humana" quando ela não aguentar mais depois de ter aguentado tudo.

Portanto o segredo maior é isso: use, abuse e, mais que tudo, saiba dosar. Assim sendo, você terá uma mão materna sempre estendida - e não uma garra sanguinária querendo te esmurrar.


Sabe o Pinote? Mamãe é igual. Compreenda a metáfora!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Calça, blusa, brinquedo e carinho

No último sábado nós aqui fomos em bando fazer a mesma coisa que essa moça aqui: mandar um pouco de matéria e um pouco de amor pro Kauan, que a gente não conhece, mas fez parte da nossa família no último sábado.

Na loja de roupinhas, compramos uma camiseta verde e bermuda tipo-havaiana combinando (também temendo, como a Clá, que ele fosse corintiano ou são-paulino e abominasse um pouco nosso gosto pra cores). Compramos também um macaquinho novo pra Olívia, pra ela ficar de pernocas de fora. E um shorts pra Sabrina, a fim de que ela se esbalde no calor que vem fazendo e suje muito aquela peça no chão.

Então compramos brinquedo pro Kauan - o carrinho de controle que ele solenemente pediu. Apesar dos 12 anos, o Kauan não parece esses meninos entojados que recusam brinquedos e querem saber só de computador. Quer dizer: se o Kauan tivesse computador, coisa que ele não tem, talvez ficasse assim também. E eu sei que ele não acha isso, mas bom pra ele ainda querer um carrinho de controle. Comprado! Sabrina e Olívia não ganharam brinquedos aí - mas descolamos uns enfeites pra nossa árvore, que contaram como se fosse.

Fomos também na loja de calçados descolar um pisante tamanho 34 pro Kauan. Levamos também um igual, só que no tamanho 27, pra Sabrina (que parece mastigar virtualmente seus tênis nas brincadeiras praticadas na área barrenta da escola). Pretos, de cadarços, tênis bem comuns. Que é assim que a vida deveria ser no que concerne aos tênis - e não aquelas besteiras que brilham, piscam, têm molas e rodas e o preço de um aluguel mensal.

A moça do RH que selecionou o Kauan pra nós na empresa onde trabalha o Dono da Casa não pediu mais nada. Disse que cuecas e meias, artigos de higiene e etc. não embarcavam esse ano, possivelmente indo em atacado. Pensamos em adicionar coisas como uns doces gostosos ou uns baratinhos extras, mas aí pensamos que os colegas de casa do Kauan podem não receber o mesmo. E isso talvez não virasse uma alegria geral, e sim um desapontamento geral. E tudo o que eles menos precisam lá é desapontamento.

Fizemos então uma cartinha desejando bom Natal, com carinho, com assinatura de todos nós (menos da Olívia, que ela ainda nem tem digital...). Colocamos tudo na sacola mais vermelha e festiva que achamos na loja, selamos tudo com amor e mandamos.

Tem gente que discorda dessas sacolinhas de Natal que alguns organizam, dizendo que é assistencialismo barato. Têm também alguns que não acham barato, e sim caro demais, e que não cabe no orçamento. Bom, aí eu digo que nem tanto, porque nós conseguimos fazer um "tira-daqui-põe-ali" e o custo foi o de menos.

E não nos importam mesmo os motivos pra não fazer, e sim os motivos pra fazer. Mesmo que a gente não tenha o Kauan na nossa família o resto do ano, mesmo que a gente não o veja sempre como um parente ou amigo, mesmo que ele não saiba de onde veio seu presente, a gente espera ter enviado ao menos um gostinho pra ele nesses tempos. E quem sabe hora dessas não fazemos mesmo uma visita, como família que se preza.

O bacana é que o Kauan esteve com a gente nesse sábado e foi um grande prazer.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Os diálogos não cessam - nem no temporal

Dono da Casa chega mais cedo e, num ato destemido, decide ir ajudar Sabrina com o jantar. Mal sabe ele o tipo de papo que rola nessas horas de refeição. E mesmo com a chuva despencando lá fora, ele comenta:

- Ai, que chuva boa caindo, né?

- Boa nada, chuva chata... (#tom emburrado: on)

- Que é isso, Sá? Porque 'chata'?

- Porque a chuva tirou a TV do ar, olha ali. (#a tela distorcida confirma).

- Ah, vai! E o que é mais importante, Sabrina, a TV ou a chuva?

- ...

- Hein?

- ... a TV...

- Como assim?? (#Dono da Casa, o menino-da-selva, se põe indignado).

- ... ué, Pai... Se a TV sai do ar, como é que você vai saber se vai chover de novo amanhã?

Segue-se toda uma explicação geológico-social provando que a chuva é moooito mais importante que a TV. Mas eu desconfio que, mesmo concordando no final, meio de canto de boca, ela ainda sente que chuva é bom, mas TV é TV - não cai do céu.


Sabrina não entende porque você não sai dessa chuvarada e vai pra casa ver TV, Gene...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Amor total infinito

Prometam não levar muito a sério o diálogo a seguir, ocorrido hoje na hora do almoço. Eu não levei.

- Mãe, sabe o que eu mais gosto no mundo todo?

- O que, Sá?

- A minha família. Você, o papai, a Olívia, a vovó, o vovô, a tia Dri...

- Que bom, filha! Então sabe, né: quando a gente ama muito uma coisa, o que a gente tem que fazer? Cuidar muito bem, ter carinho, não é?

- É, eu sei. Eu cuido muito bem da minha tesoura rosa!

Eu quero crer que ela bota a família e um artigo de papelaria no mesmo saco, mas espero que o coração bata mais forte por essa equipe! Mesmo a gente não servindo pra muita coisa legal, como picar papel...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sejamos sinceras...

Uma vez um sábio disse algo bem pungente e verdadeiro: "todo homem é bobo e toda mulher é chata". Tudo bem, não foi um sábio, foi só o Pedro Bial numa entrevista bem fulambenta... Mas a frase ainda faz sentido. Todo homem é bobo de fato, mesmo aqueles que andam de terno e gravata o dia inteiro, mandam e desmandam em centenas de funcionários e lidam com milhões; tudo bobo. E mulher é tudo chata mesmo. Mas, né, a gente PRECISA ser chata! Pra lidar com os bobos, por exemplo, só sendo chata...

Fica aquela coisa de que mulher é tudo louca por limpeza. Bom, é o jeito, visto que todo homem enxerga vassoura e paninho como se fossem animais venenosos. Parece que a maioria, inclusive, partilha o pensamento "se ninguém vê sujo, tá limpo, uai".

Mulher é chata também porque precisa dar muitas explicações. Tudo tem que ser muuuito detalhado, senão eles não pegam. Vai no mercado, traz um sabão em pó, banana, iogurte e desodorante, por favor? Óbvio que não dá dois minutos, vem o telefonema sobre "mas qual sabão? E quantas bananas? Iogurte de fruta? E o que mais mesmo?" Ai, ai... Difícil saber as marcas usadas na própria casa e saber que se comprar mais de seis bananas vai estragar tudo na fruteira? E que o iogurte é aquele que regula o intestino? E fazer uma lista, pordeus?!

Mulher é chata com detalhes, é verdade. Por exemplo, a gente tem essa mania insuportável de querer sair de carro e chegar no destino sem errar 12 vezes o caminho. A gente curte usar um mapa, sei lá... Essas maluquices, sabe?

A chatice feminina ainda recai sobre os filhos - e ganhamos a má fama por querer que eles comam coisas saudáveis (não pizza fria no café da manhã), por querê-los com roupas limpas e bonitas (não a calça azul puída e manchada de molho com uma camiseta laranja esgarçada no punho) e por querer que vejam o mundo lá fora (e não joguem 11 horas ininterruptas de "Lord dos Zumbis Assassinos Decepadores de Membros" ou coisa assim. A gente é chata mesmo, puxa.

Mulher é chata quando pede carinho, quando quer visitar a família, quando insiste em tirar férias, quando gasta dinheiro com cortinas, quando dirige abaixo dos 130km/h. Na visão dos homens, claro. E eles ainda dizem que não nos entendem.

Bom, acho até que não entendem mesmo. Nesse caso, o melhor é ser chata mais uma vez e mostrar tudo muito claramente, sem rodeios, bem na cara. É como fez minha amiga Bia um dia desses.

Eu ligo lá e combino com o marido dela sobre o almoço do dia seguinte. Ele me diz o horário, o cardápio e o que eu devo levar de bebida - e em segundos a Bia dá um monte de instruções lá do lado e, por fim, toma o telefone dele. E explica tudo de novo, com outras informações bem distintas. Eu pergunto "ué, mas por que você não deixa o menino resolver, Bia?!". E ela: "é que eu quero tudo do jeito que eu quero, oras! Do MEU jeito!".

Foi o ato mais sincero que já vi uma moça ter! Foi chata? Ah, até foi. Mas fazer o quê se homem é tudo bobo?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

I love the nightlife...

Vida de mãe de bebê pequenininho é como filme de desastre: o clímax sempre vai acontecer no meio da madrugada.

Sim, sim, é como no cinema-catástrofe. O vulcão ameaça soltar lava por dias a fio, o terremoto se anuncia com tremidinhas ou ficamos horas esperando o monstro atacar a cidadela - mas a lava, o chacoalhado e a besta-fera só vão mesmo mostrar toda a sua ira no meio da madrugada. É igualzinho com os bebês: dormem feito anjinhos de dia, explodem em gritos à noite.

Afinal, né, porque sacudir a vida da Humanidade quando há luz do sol e as farmácias e hospitais estão abertos e operando? Nããão. Muito melhor toda a zorra acontecer quando a cidade está um breu, toda a vida está em repouso e o médico está dormindo.

Nessas horas, só resta fazer como o herói do filme. Se imbuir de coragem, não dar pelota pro barulho excessivo e tomar todas as providências com rapidez, lucidez e bom senso. Mas veja: abrir fogo ou pedir auxílio do exército, como o mocinho do filme, não vale, hein?

E depois que a fúria da natureza se aplacar - ou, no caso, a fúria daquele pacotinho com cólicas abdominais - é certeza que o sol voltará a raiar e tudo vai ficar bem. Até o próximo vendaval, tsunami ou avalanche notívaga, claro.


Óóóimm... Cadê o nenê lindo da mamãe!?

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dessas decisões

O que eu resolvi, grávida de cinco meses da Sabrina, foi deixar de trabalhar em redações. Decidi que a cadeira ruim já fazia doer demais as costas, que era fisicamente sofrido ficar em fechamentos até 23h ou mais, que aturar certas explorações por aquele dinheiro não compensava e que não queria mais passar perigos em trânsito da madrugada. Peguei o boné e fui ser freelancer - trabalhar por empreitada e, na soma, amealhar um salário fazendo minha própria agenda. Deu certo. Bom, acho que deu certo.

Essas decisões não são fáceis de tomar, mas vez por outra aparecem na vida de uma moça que quer também ser mamãe. "Casar ou comprar uma bicicleta", o cacete: garotas sempre vão preferir casar e depois comprar casa, carro, berço E a bicicleta. Bicicleta da Barbie, de preferência. Quase todas as moças, na verdade. As que não querer o combo marido/filhos estão dispensadas de certas encruzilhadas, as sortudas. As demais, bom, essas um dia vão se pegar pensando "não seria melhor mandar o chefe se foder e ir cuidar do meu ninho?".

Minha opção foi essa, mas não foi fácil como pensam. É, muita gente me questiona se isso dá certo e como dá certo. Não acreditam muito que seja possível cuidar da criançada e trabalhar em casa dispensando a ajuda de babás e empregadas e manter a sanidade e a conta bancária. Fácil, eu digo, não é. Tem dia que eu penso "graças aos céus pela existência da rede nas janelas, senão eu pulava...".

Mas na maioria deles, acho que fiz uma boa coisa. Não sei se conseguiria, até hoje, passados seis anos daquela decisão, sair de casa pra trabalhar às 8h e só voltar uma dúzia de horas depois, quiçá mais. Tudo bem, eu ganharia muita bufunfa extra. Porque quando perguntam "mas dá pra pagar as contas?", eu digo que dá. E só pra isso, viu? Pago as contas e sobra um trocado pro cinema e outro pra padoca. É assim que dá certo: sabe aquele seu salário X? Pois é: o meu deve ser metade de X. Talvez um terço de X. E se você for sênior na sua profissão, meu X deve parecer o PIB de um país africano perto do seu PIB sueco.

É verdade, porém, que minha conta é outra: eu pego o X e penso que X/2 não precisará pagar alguém pra cuidar das minhas filhas e da minha casa; e que X/4 não precisará pagar gasolina, estacionamento, almoço, roupas de trabalho, o trago da happy hour e a sessão do analista. Então o X é magro, mas de repente nem tão magro... só esbelto.

Mas é assim, uai, nem sempre se pode ter tudo. Quer dizer: eu acredito que se pode ter tudo, sim. Dá para ser mãe presente, dona de casa lustrosa, esposa alegrinha, profissional cheia da grana. Custa um bocado de horas, quase dá pane mental e surte uns efeitos colaterais, mas dá. O caso é se a gente QUER ser tudo isso.

Eu já decidi que fico feliz de conseguir ser marromêno na maioria dos quesitos. Foi a minha decisão: ser jornalista que ganha pouco, dona de casa que deixa uma louça ou outra pra amanhã, esposa que surta de vez em quando. E mãe pra toda hora. Sou eu que dou banho, coloco na cama, dou beijinho, conto história, danço de pijama na sala, faço a trancinha e a maquiagem de bruxa, enfio a comida na goela, explico, consolo, faço cócega, mando e desmando. Conheço cada muxoxo das minhas filhas, cada feição, cada mania.

Quando penso nisso, decido que a decisão foi a melhor. E claro que me pego duvidando também - e considerando se um dia vou ouvir um "te odeio", um "você não faz nada pra mim" ou um "não vejo a hora de sair dessa casa". Talvez aconteça, né. A gente nunca sabe. Mas a decisão foi minha e é reiterada todos os dias, até naqueles em que a conta bancária grita em vermelho e que dá vontade de fazer a mala e partir.

E se um dia te surgir essa encruzilhada pela frente, desejo uma boa decisão. Seja uma ou outra, que seja sua. E seja a certa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

No pé da minha orelha, não!

Dentre todos os "eu nunca" que posso dizer sobre mim, jamais ter furado as orelhas parece ser o que mais espanta as pessoas. Ninguém se mexe muito com os meus "eu nunca usei chinelo de dedo" ou "eu nunca gostei do carnaval", mas todo mundo deixa o queixo despencar quando digo que nunca abri buraquinhos nos lóbulos auriculares. O que eu acho espantoso.

É que, num chute rápido, eu diria que 95% das mulheres brasileiras têm orelhas furadas. E, vai ver, um bom quinto dos homens também. Mas não eu. Quando pequena, meu pai vetou a carnificina: não deixou que furassem minhas orelhas porque achava que isso ia dar problema. E porque era "uma coisa meio indígena". (Nem perguntem, o meu pai é um homem... peculiar).

Bom, o fato é que eu cresci e também passei a repudiar um bocadinho essa prática. Não via MESMO vantagem em ir na farmácia levar um tiro de revólver tão perto da cabeça por vontade própria. Tinha medo da dor e, como minha vaidade sempre operou em níveis negativos, fui deixando assim. Minha irmã, também proibida na infância, sucumbiu aos brincos depois dos 18. Minha mãe, rebelada, passou por cima do cadáver do meu pai (moralmente) e apoiou. Eu fiquei no grupo de suporte técnico - já que a minha irmã desmaiou e a gente precisou abanar muito ela.

Daí, né, que a gente tem essa mania de passar os próprios conceitos (pra não dizer os preconceitos) aos filhos. Minhas meninas nem sabem o que é ter orelha furada. Só de pensar em entregar aquela carninha miúda e molinha nas mãos de um vândalo perfurador, me apavoro. Não deixei e vou relutar até que elas tenham idade pra optar com propriedade sobre isso. Lá pelos 35, tá bom?

Tenho medo que a coisa saia do controle e saia errada. Tenho medo de infecções, vermelhidão, pus, sangue, cirurgia de reconstrução. Tenho medo que elas comecem a aparecer em casa com verdadeiros candelabros dependurados nas orelhas. Enfim, não acho isso boa ideia. Só que muita gente estranha essa postura.

Mas eu me pergunto: então o normal é pegar um bebezico de nada e lhe meter rebites nas orelhas? Mesmo com a possibilidade de a peça ser arracada acidentalmente; ou de haver rejeição? Mães já vieram até me dar seus motivos: "mas se não fura, ficam perguntando se ela é menino!". Uau, que motivão, hein? No caso de termos um menino, então, melhor espirrar um pouco de cerveja nele, pro odor mostrar que é macho?

Podem dizer que é bonitinho, charmosinho, cute-cute e o escambau. Nas minhas orelhas e nas orelhinhas dos meus nenês, ninguém toca. Não tem ouro, prata, diamante ou adereço no mundo que me convença. As duas pequenas podem até trair o movimento depois, mas eu seguirei firme. "Eu nunca furarei as orelhas", digo com orgulho. Apesar de ainda me auto-chocar muito mais com "eu nunca gostei do carnaval"...


Não venham se pendurar em mim, ok?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Não há nada como o tempo pra passar

Esse negócio de estar muito ocupado ganhou força de pandemia, não é, não? Sério, acho que vou checar junto à OMS. Parece que todo mundo está com "a gripe do Coelho Branco", aquele do País das Maravilhas que estava sempre atrasado, sempre correndo, sempre bufando e de olhos pregados em seu ridículo relógio.

Fico semanas e mais semanas sem falar com alguns amigos. Daí passo a mão no telefone ou acesso o e-mail pra conferir se, ué, estão vivos e operantes. A grande maioria não sumiu por motivo de viagem de férias ou problema no telefone. A grande maioria está ocupada DE-MAIS. Assim, em maiúsculas. E separando as sílabas para frisar bem.

O que será que deu em todos nós? Ficamos tão ocupados, ocupadíssimos, aimeudeus que ocupação! - e nem sabemos bem por que. Bom, eu não sei por que. Afinal, mesmo considerando o horário de verão, o dia tem o mesmo número de horas desde... bem, desde o Big Bang, acho.

E olha que a modernidade tentou nos ajudar. Ganhamos coisas eletro-eletrônicas para poupar tempo e encurtar distâncias. Não viajamos mais em lombo de burro, não lavamos fraldas à mão nem escrevemos cartas à caneta, selamos e colocamos na caixinha do correio. Nada disso. Devíamos ter tempo de sobra - mas só o que sobra é a carcaça cansada de todos nós no fim do dia.

O que será que nos ocupa tanto? Trabalho? Bom, meu avô Mário também tinha trabalho. Tinha uma porrada de trabalho. Saía de casa cedo todo dia, rejuntava casas e edifícios por umas oito horas e só voltava à noite (sem ter jogado nem 5 minutos de Paciência ou entrado uma vez sequer no Facebook). Ainda assim, ele tinha tempo de bater corda pra gente pular, de ir no bar beber uma pinguinha, de assistir o Roletrando e de ficar horas sentado no murinho do gás, só vendo a vizinhança passar.

Se não é trabalho, é a casa? Mas as casas de hoje não são de dar trabalho. A gente pode colocar roupa na máquina, meter sabão na caixinha, se aproveitar do poder O2-limpeza-pesada e deixar tudo lá, batendo e limpando. E antigamente, que o povo precisava sovar aquilo tudo no muque - lençóis inclusive, credo! - e botar pra quarar, e pendurar pra secar, e dobrar, e passar...? E eu nunca soube de uma dona dessas, das antigas, reclamando de estafa.

Temos aspiradores, temos microondas, temos carros, motos e metrô. Temos internet, temos telefone e temos celular que recebe e-mail enquanto avisa sobre os compromissos, paga as contas e mede a glicemia do dono (ok, isso ainda não temos, mas o Steve Jobs nunca dorme, então...). Ainda assim, deixamos de prestar atenção nos amigos, nos namorados e namoridos, nas crianças. Deixamos de almoçar e jantar com calma, deixamos de dormir pesado, deixamos de caminhar olhando o bairro. Se bobear, deixamos de ler a bula do remédio porque estamos com pressa demais pra reparar que, o-oh, aquela fórmula causa baixa na libido!

A gente não devia ficar assim, tão ocupado. Faz mal. Faz mal físico e psicológico. E, pior de tudo, faz mal por um motivo muito simples: o tempo não volta. E se a modernidade economizou tanto dele pra nós, ele não pode estar em falta. O mais provável é que esteja por aí, perdido em alguma tarefa inútil. Devíamos é nos ocupar de recuperá-lo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quem pensa nessas coisas?

Eu acho assim: se a gente precisa cavar um poço do fundo do mar até a camada pré-sal, melhor chamar alguém que conheça o lugar, que saiba qual broca usar, quantos marmanjos contratar e o que levar de lanche na empreitada - e se ele pedir milhões pra fazer o furo, que seja, ué. Mesma coisa com objetos de criança (trazendo agora a discussão pro meu pequeno mundo).

É que parece que só eu acho isso. Parece mesmo. E quando a empresa vai fazer roupa de criança, em vez de contratar um estilista que tenha filhos ou pelo menos já tenha visto e segurando um filhote de humano, contrata-se aquele que acha poliéster um tecido bom pra criança "porque é fácil de lavar". Mesmo que poliéster seja uma porcaria calorenta e empipocadora de corpinhos novatos.

Aí a gente tem filho e, né, precisa de roupa pro pequeno mamífero. Vamos na loja e ficamos ali, com cara de pastel, olhando pras peças de vestuário mais estúpidas já produzidas. Primeiro que os tamanhos começam em RN (recém-nascido) - mas bastaria sacar uma fita métrica para ver que o comprimento da roupa é 55 cm ou mais. Do pescoço ao pé. Vejam: do pescoço ao pé, um recém nascido normal tem cerca de 40 a 45 cm. Ou seja, vai sobrar um bom tanto de pano ali pra criança se emaranhar.

Não bastasse o comprimento apropriado só pra filho de jogador da NBA, tem a modelagem. Mas bebê lá precisa de modelagem? Bom, precisa, sim. Fazer um macacão em forma de pêra, por exemplo, não ajuda ninguém. Eles desenham a peça como se fossem bombachas. Fica aquele quilômetro vazio nas pernocas do petiz - muito propício pras tais pernocas se sacudirem e ficarem enroscadas, dobradas, doloridas.

E tem mais: tem marca que oferece luxo extra em termos de detalhes aplicados no tecido, manguinhas bordadas, ursinhos no punho, gola de babado. Sério: bebês não sabem nem o que é firmar um pescoço ereto, pra que precisariam de uma gola?? Tem macacão que, acreditam os fabricantes, ficam mais bonitinhos com os botões pra trás, não na frente. Delícia tentar fechar aquela porra às 4h da madruga, com os olhos querendo fechar e o bebê urrando, viu? Delícia mesmo.

O mesmo acontece com diversos outros produtos, não só com os de vestir. Existem fraldas que contam com 27 quilogramas de flocgel, mas têm um sistema de fechamento cuja fita adesiva serra a pele da criança; existem mamadeiras sem respiro, que fazem o bebê precisar da força de um aspirador de pó pra sugar algum leite; existem chupetas sem recuo na posição do nariz, que devem pretender sufocar toda criancinha que ousar mastigá-la.

E quem fabrica tudo isso não podia mesmo fazer uma pesquisinha com mães de verdade, quiçá contratar algumas delas, engenheiras e designers, para uma produção mais adequada? Se fosse pra furar um poço e achar petróleo, não chamariam especialistas? Os nossos filhotes merecem a mesma deferência, hein?


Oi, eu sou um macacão escroto com pernas de elefante e que fecha nas costas... Tente me abotoar pra ver o que é bom!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

É ver e abrir a torneirinha

Tudo bem, vai ver tem a ver com os hormônios em fúria pós-parto. Não, não... pensando bem, o fenômeno acontece desde que vi o filme no cinema, numa tarde chuvosa, sozinha - e abri as comportas do chororô assim que Meryl começou a cantar "Slipping Through My Fingers" em "Mamma Mia". E olha que isso se repete toda santa vez que revejo a cena, incrível.

Acontece que a música do ABBA toca fundo esse coração que, todo dia, pensa nas meninas crescendo. Uma era bebê ainda outro dia, e agora já sobe pra sala de aula sozinha, mochila e lancheira a tiracolo, dando um beijo corrido pela pressa de ir mostrar a lição de casa pra professora. A outra, tudo bem, só contabiliza 10 dias. E levante a mão quem acredita que a mamãe aqui já sofre pensando no dia em que ela também vai estar subindo pra escola sem saudades do meu colinho! Isso pra não falar sobre a ida de cada uma pra faculdade, o primeiro passeio solo guiando o carro, o primeiro namoradinho, o dia em que mudarem de casa...

Quem clicar ali pra ver o video e sentir uma pontada no peito e uma enchente nos olhos é do meu time. Quem não... esperem só até seus bebês nascerem e irem crescendo, daí vocês me dizem!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Olívia

Pois não é que ela chegou mesmo? O barrigão enorme e os chutes nas costelas eram um bom indício, claro - mas agora Olívia é de verdade, aqui nos braços, cabeluda como um padeiro português e linda como... como... como só ela mesma poderia ser, essa coisinha doce!

O blog poderá ficar um pouquinho sem mediadora esses dias, gente, já que os 2,875 kg da minha nova boneca demandam muitos cuidados. Mas volto assim que der pra babar informações de mãe coruja.

Fotos, ainda não consegui baixar (eu mal consigo ME abaixar!). Assim que possível, no entanto, venho aqui e mostro a belezura da irmã da Sabrina (que, por sinal, está mais feliz e orgulhosa da caçula que todos nós!).

Abraços recém-nascidos pra esse mundão!

Flá

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cut the crap

Teve um tempo em que eu acordava já afobada. Saltava da cama como uma Daiane dos Santos em boa fase, estrelando pela casa para arrumar bagunças, varrer chão, guardar pratos, caçar roupas perdidas. Daí corria cuidar da criança, daí corria mandar uns e-mails, daí corria no mercado, daí corria fazer meia dúzia de telefonemas, daí corria escrever um texto, daí corria... Olha, era muita correria. Ao meio-dia, eu já estava querendo colocar pijama e ir dormir de novo, tamanho o cansaço.

E vocês sabem o que acontece com quem pira assim e fica nesse bagaço, né? Xinga, chora, reclama, torna-se um porre de gim tônica em baile de carnaval. Ou seja: teve um tempo em que eu fazia coisas demais e depois ficava uma chata, culpando o mundo. Mas não era culpa do mundo.

Fui eu quem quis não ter empregada nem babá nem nada semelhante. Fui eu quem quis voltar a costurar, estudar francês, ter um site, trabalhar por conta, cuidar da Sabrina - e, com tudo isso, ainda queria ser aquela amiga sempre a postos, aquela pessoa com quem se pode contar a qualquer hora do dia ou da noite pra conversar, passear, almoçar, jantar, farrear e que sempre, sempre dizia "claro que eu faço, pra ontem!".

Percebi, com muito custo, que entrevistar pessoas no telefone enquanto virava a omelete e entreteninha a bebê no carrinho não dava certo. A pessoa ao telefone me irritava; a omelete ressecava; a criança notava. Tudo acabava saindo, mas saía meia-boca - o que me deixava ainda mais frustrada, cansada e nervosa. Caiu a ficha de que era preciso cortar. Cortar, cortar, cortar! Palavra de ordem: cortar.

Cortei as obrigações que eram idiotas e não levavam a nada. Cortei a onda da auto-faxina e da mão-de-vaquice e chamei a Lucy pra ajudar com limpeza pesada a cada 15 dias. Cortei umas amizades que já não eram amizades há muito tempo, só pareciam. Cortei mais umas duas ou três coisas e ganhei um tempo enorme, usado pra brincar de maquiadora ou recorte e colagem, pra trabalhar concentrada, pra dormir relaxada, pra papear com prazer.

E daí é só olhar pra trás, hoje, e ver que a maioria dos problemas eu só ACHAVA que tinha. Tinha nada. Não era preciso manter perfil atualizado em rede social. Não era preciso estar sempre disponível, e quem me amava de verdade entendeu rápido. Não necessitava afofar as almofadas a cada meia hora e nem me dispor a fazer 50% mais trabalho pra confiarem no meu taco. Meu taco é como é e só trabalha pelo que recebe agora. Ok, essa frase ficou meio estranha... Mas é isso.

Aprendi a fazer compras de mercado online quando a agenda aperta - e se faltar banana por um dia, ninguém vai morrer de inanição por isso. Aprendi a não atender o telefone quando estou no banheiro, e se for urgente ligarão de novo. Aprendi também a pedir mais ajuda e não me martirizar como uma Scarlett O'Hara dos pobres, sempre dizendo "deixa que eu resolvo". Agora eu digo um pouco mais "se vira, malandro". É gostoso!

Fiquei menos chata, acho. E não fiquei culpada, não, acreditando arrogantemente que o mundo vai desabar se eu não acordar afobada. Cortei muita coisa e foi bom. Recomendo a todos.


Quando eu não posso camelar pelo mercado, o moço entrega aqui. Abaixo a martirização, viva o tempo livre!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Galeria caseira

Acho que desde que o mundo é mundo as geladeiras de uma casa de família viram display para a arte infantil. Ok, talvez não desde que o mundo é mundo, mas desde a invenção do refrigerador em 1875, com certeza.

O fato é que, sabe-se lá por que, se torna um ato natural pendurar naquela chapa metálica tudo o que se refere às crianças. Deve ser genético, uma coisa que é lançada no sangue assim que o bebê coloca a cara pra fora da barriga da mamãe.

Quando a gente não tem filhos, o espaço fica dividido entre as listas de compras, as fotos da turma de amigos e um ou outro imã promocional de disque-pizza. Depois da chegada dos rebentos... bem, só dá eles na geladeira.

Começa com uma foto do pequenino tomando banho com o pirulito pra fora, pra avexá-lo bastante na frente de todo mundo (sem a possibilidade dele se defender, por sinal). Daí vêm mais e mais imagens, o primeiro rabisco de giz de cera num papel, outros trabalhinhos da escola com outros rabiscos sem razão, canetinha e às vezes até glitter e areia colada (pra ajudar a destruição natural da geladeira bonita).

Quando vemos, aquilo virou um sem-número de sulfites decorados cobrindo cada milímetro do pobre eletrodoméstico. E que delícia olhá-los... As garatujas vão se transformando em rostos, casas, bichos, árvores, ganham cores mais sofisticadas e até umas tentativas de frasear. A evolução psico-social de um ser humano pode ser toda acompanhada pelos desenhos grudados na geladeira!

Pode não ficar muito lindo de se ver, nada assim muito "Casa Claudia". Mas depois que o gene da "mãe com orgulho do filhote artista" se manifesta, eu não sei se dá pra voltar atrás. Talvez um dia aconteça - e os desenhos e trabalhinhos dêem lugar aos bilhetes mal-criados sobre arrumar o quarto e comprar mais pão. Até lá, o espaço é da galeria infantil, a mais linda expressão de arte. Pelo menos na opinião da mamãe.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Vem, senta aqui

Parecia algo bem óbvio, mas precisaram colocar uma lei na parada. Era lógico que, ao levar crianças pequenas dentro do carro, uma cadeirinha (ou bebê-conforto, ou assento elevatório) seria uma boa ideia. Mas aí sempre tem aqueles que, como diz meu pai, se fazem de migué... E toca tornar lei. E toca falar do assunto como se ele fosse, uau!, uma super descoberta recente.

Como o tópico já é tão esmiuçado em jornais, telejornais, revistas e conversas de boteco, nem acho que preciso puxar o lado jornalístico nesse textinho. Só me ocorrem poucas coisas (e se te ocorrerem outras, basta explicitar ali nos comentários que a gente debate sobre isso):

- Primeiro me ocorre que, por mais eu ache o assunto exageradamente levantado, parece sempre é válido dizer mais. Não fosse isso, ficaria sem resposta o moço que mandou uma pergunta pro rádio questionando "mas se em vez de usar o assento elevatório eu colocar uma almofada pro meu filho sentar em cima, não é a mesmo coisa?". O locutor foi até que polido, porque eu acho que cairia na gargalhada sem fim! Põe lá a almofada sim, meu amigo, "faz o mesmíssimo efeito"! Depois do acidente, a mesma ainda poderá ser usada pra deitar a consciência pesada...

- Metade das matérias que se vê falam sobre "a dificuldade do consumidor em encontrar cadeirinhas pra comprar". Bom, seria até pauta se estivessem lá em Conceição do Bonsucesso Mirim, mas a reportagem está sempre dizendo isso no centro de São Paulo. Em toda loja do ramo que eu vou, vejo as cadeirinhas lá, perfiladas. Só se estiver em falta uma cadeirinha feita de papelão e com selo do Inmetro que custe 12 mangos - porque as de verdade, que infelizmente custam o olho da cara, essas estão bem disponíveis. Claro: se só servir o modelo rosinha de bolinha e estrelinha que sua princesinha merece, aí pode ser que não tenha mesmo. Mas eu acho que cadeira azul-marinho segura qualquer gênero de criança, e é isso que interessa.

- Depois que a lei entrou em vigor, semana passada, se faz tanto fuá-jornalístico sobre a obrigatoriedade que, dizem, foi isso que levou à corrida de pais para comprar o produto e à falta dele. Mas eu me pergunto... onde essa turma toda levava a molecada antes, hein?? Amarrados no bagageiro? Dentro de caixas no porta-malas? Atados na coleira, socados no porta-luvas? Ah, bem, talvez em cima de almofadas... Tenho até medo de saber. Melhor, então, que venha a lei mesmo.


Equipamento de segurança? Onde??

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Emília

A minha vó Emília foi dessas pessoas que não se vêem mais hoje em dia. Por uma série de motivos, mas principalmente porque ela sabia fazer tudo o que era mais legal e ser a melhor pessoa possível.

A minha vó sabia fazer toda e qualquer comida que fosse uma delícia - e não só aquelas massas todas com aquele molho-espetáculo, mas também a sopa mais simples, a salada mais banal, o doce mais singelo. Eu acho que até o pão francês com manteiga, na casa da minha vó, tinha outro gosto. Um gosto que eu nunca encontrei igual.

A minha vó costurava. Quando a gente era pequena, ela ainda costurava bastante - e não fazia almofadinha safada como eu, mas vestidos inteiros, trajes completos, com o tecido que fosse.

A minha vó não sabia dirigir nem usar twitter, mas a minha vó sabia tudo o mais. E o que era mais importante. Ela sabia receber, com entusiasmo e na maior paz, todas as 900 pessoas que baixavam na casa dela nos fins de semana. É que todo mundo queria muito baixar na casa da minha vó, porque sabia que lá sempre tinha algo gostoso pra comer, bom papo e um sorriso no rosto.

Ela sabia inclusive ser bem, bem engraçada, abusando de acessórios como chapéus e camisas do meu vô pra fazer encenações e palhaçadas sem igual. E sabia montar uma boa mesa de jogatina (na maioria das vezes, bingo ou baralho), pra entreter a galera dos 8 aos 80. E sabia cuidar de tudo o que era planta, até dos brincos-de-princesa que, lá naquela indefectível "casa de vó", floriam enlouquecidos.

Minha vó soube misturar as tradições diretas da Itália com as tradições típicas de Brasil. Soube bem cedo o que era trabalhar na roça e também como criar seis filhos e mais um sobrinho - todos numa casa térrea de dois quartos e meio. Soube ser a carcamana durona quando foi preciso e soube ser a brasiliana irreverente também, mostrando carinho muito menos com palavras do que com pratos deixados no forno pros filhos e beijocas e palavras doces pros netos.

A minha vó faleceu hoje, aos 90, no mesmo quarto que ela dormia há seis décadas. O quarto imaculado, cheirando a pó de arroz e carinho, com colcha de crochê, guarda-roupa encerado e uma penteadeira onde sempre esteve uma foto dela ainda jovem, de coque baixo e rosto tenso. Uma luzinha se apagou dentro de mim hoje, mas se a morte faz parte da vida, não tem o que lamentar. Sempre vai ter o que lembrar, porém. Porque a gente pode nunca mais ver a Emília risonha, fazendo nhoque e cuidando dos gerânios, mas a gente guardará a Emília dentro de nós, todo dia, em cada detalhe.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Fotografia rouba a alma, mamãe?

Se tem uma parte da gravidez que eu sempre amei demais, essa foi a hora de ver minhas meninas na telinha mágica do ultrassom. Chegar ali, deitar na maca recoberta, receber o auxílio da assistente me posicionando e melecando meu abdomen com um gel morno não foram as partes mais simpáticas. Mas bastou o(a) médico(a) vir com o bastão pra cima da barriga e a imagem surgir no vídeo, eu me roí de encantamento.

A verdade é que, no começo, não dá pra sacar muita coisa. Eu digo pra eles: "se vocês estiverem me mostrando imagens da Lua gravadas nos anos 70 e dizendo ser o bebê, eu vou acreditar." É que, nesse início, a criança é um brotinho de feijão perdido num emaranhado de entranhas cinzentas. Eles ficam lá falando "aqui é o coração, olha como bate" ou "a bexiga já está formada" - e eu acho incrível, porque não distinguo minha filha linda de um borrão ou um defeito tecnológico.

Conforme o tempo passa, a gente vê aquilo que pode: um tórax cheio de ossinhos, um cabeção lindo, pés com cinco dedos, mãos com cinc... ei, ela tem 6 dedos, doutora!!! Não era nada disso, e os profissionais se fartam de rir da minha cara.

Bem didáticos, eles mostram a placenta, o líquido amniótico, o colo uterino. E eu me pergunto "quem, diabos, quer ver colo uterino, minha tia, mostra aí o narizinho da minha garota!". A gente quer é ver o rosto, as mãos, aquele pezinho que em alguns meses vai estar levando uma saraivada de beijocas da mamãe.

Com o passar dos meses, corpinho todo scaneado, já estamos querendo só mesmo as informações centrais: se está bem, se está forte, se está de bom tamanho, se está se remexendo, se está resguardada de todos os perigos do mundo. Tem uma médica que sempre vem com uma chatices de "fotografar" o rosto em 3D - só pra reclamar que a Olívia esconde a carinha com os dois pés e as duas mãos. Desconfio que a Olívia não curte muito essa médica e que, se ela pudesse, esconderia o rosto com todos os membros e mais um chapéu, só de provocação. Bom, eu também não sou muito chegada nessa doutora, porque ela me aperta demais. Se eu pudesse, também me esconderia dela.

Fazer ultrassom é realmente ótimo, mas tem duas partes que eu dispensaria. Primeiro, é aquela pergunta constante do "trouxe um DVD pra gravar?". Eu nunca levei ou levarei um DVD pra gravar ultrassom, porque tem coisa que só encanta pai e mãe - e que é melhor guardar na memória, não na estante. Segundo é a parte "opinativa" de cada exame. Nos tempos de Sabrina-na-barriga, uma médica veio dizendo "olha... ela será pequenininha, viu?".

Só fez isso pra me provocar choro durante 3 dias pensando se a menina teria algum problema (coisa que inexistia, já que Sasá nasceu parrudamente com mais de 3 quilos). Eles chutam essas coisas baseadas em estatísticas sem medo de enlouquecer a pobre mamãe - por isso que hoje em dia eu só quero as imagens e o laudo com números na minha mão, e o resto a minha médica de confiança é quem diz. Obrigada.

Ainda assim, nada tira a alegria dos dias de ultrassom, quando a gente parece estar indo visitar nossas nenéns no mundo fantástico onde elas vivem como fadinhas nadando no lago. O último exame foi feito essa semana, e o próximo encontro com a Olívia deverá ser mano-a-mano mesmo, daqui algumas semanas, quando eu vou estar carregando a pecinha no colo e ameaçando a integridade física dela com abraços e beijinhos em excesso. A gente já se viu pela telinha, filha, e agora quero muito te ver ao vivo. Espero que seu narizinho seja fofo como nos filmes.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nunca mais outra vez

Era mais ou menos a entrada da primavera de 1982. Fazendo uma arrumação depois do inverno - aquela coisa de trocar os casacos pendurados pelos vestidos antes entocados -, a minha mãe me chamou. Ela tinha encontrado, no fundo do maleiro, meu brinquedo favorito. Meu Pequeno Engenheiro. Lembra disso?

Pois é, eu lembrava muito bem. Pedi aqueles tijolinhos de madeira com pintura imitando castelo por meses a fio - até que, no aniversário, um fevereiro antes, ganhei. Amei. Brinquei um dia inteiro, eu recordo direitinho, de manhã até o sol ir embora. Depois guardei, arrumando tudo com esmero, tijolo por tijolo, telhado por telhado, ponte por ponte (mas acho que eram só duas pontes... enfim).

Brinquei de novo no dia seguinte, e tornei a guardar na caixa. Dali uns dias brinquei mais algumas vezes, sempre retornando todos os itens na caixa, contados e organizados com face pra cima. Um tempo depois, eu não queria mais brincar toda hora com o Meu Pequeno Engenheiro porque não queria que sujasse ou saísse a tinta. Ele serviria só pra ocasiões especiais, decidi, como no dia em que os Playmobils precisassem fazer fantasiosamente uma viagem pra um castelo inglês ou algo assim. E lá os tijolinhos ficaram, encerrados no armário, protegidos, resguardados e muito, muito seguros.

Meses e meses depois, na tal arrumação da mamãe, o tesouro resurgiu como um fóssil de dinossauro no deserto do Piauí. E sabem o que tinha dentro? Cada pequeno retângulo e triângulo madeirado, todos juntinhos, todos... possuídos por mofo. Casa em São Bernardo do Campo, SP, há 28 anos, quando o clima da Terra ainda previa muita garoa na área era assim.

Impregnação verde instalada, não teve mais jeito de brincar com os tijolinhos, porque eles me faziam tossir feito um cachorro tuberculoso. Foram sumariamente descartados. E naquele dia, com lágrimas nos olhos e um rabanete nas mãos (não, acho que essa foi outra garota...), prometi pra mim mesma que jamais guardaria outro objeto querido novamente. Nunca mais deixaria "pra mais tarde".

Aprendi mesmo a lição, ainda que na tenra idade. Dali por diante não reservei roupas pra usar em ocasiões especiais, não muvuquei pratos bonitos pra dispôr em jantares comemorativos, não deixei pra comer ou beber posteriormente aquilo que parecia tão bom de comer e beber na hora. Tudo bem, teve aquela vez em Los Angeles em que eu quis tirar uma fotografia da piscina iluminada à noite, não tirei e, no dia seguinte, a lâmpada estourou e nunca vieram consertar, eliminando as chances de clicar a imagem. Mas foi só essa vez!

Esse negócio de separar o filé pra depois nunca dá certo. Em Veneza, vi na vitrine um colarzinho de vidro artesanal que achei lindo - mas bateu uma incerteza e decidi pensar melhor e, caso quisesse mesmo, voltar outra hora. Dei dois passos adiante... dois de volta... e comprei o colar. Foi uma sábia decisão: mesmo tentando, nunca mais achei aquela viela (porque em Veneza a gente se sente um bêbado sem rumo, os becos não têm placa e é quase impossível refazer um mesmo caminho).

Tento repassar delicamente essa informação pra que outros não sofram pelos seus tijolinhos (metaforicamente) como eu sofri. Mas essa semana mesmo o Dono da Casa abriu uma caixa pra apanhar suas preciosas ferramentas de marcenaria importadas e... bom, elas tinham enferrujado de tanto ficar guardadas. Eu sei o que ele sentiu. Dei dois tapinhas nas costas, um beijo no rosto e disse "eu já te contei a história do Meu Pequeno Engenheiro, não contei?". Ele acenou que sim com a cabeça e respondeu "já entendi". E mais um aprendeu a dura lição do desapêgo e sobre como é importante aproveitar certos momento na hora, até o osso, sem medidas. Ela sempre vem mesmo, ainda que tardia.


Saudade de vocês, que eu deixei partir por ser muito trouxa...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Try a little tenderness...

Meu banco de dados mental serve pra bem pouca coisa, aparentemente. Mas ele nunca deixou de funcionar - e funciona bem pacas - quando se trata de guardar umas passagens de filme meio toscas, meio tolas e muito relevantes se a gente as analisar bem. Por exemplo: eu sempre gosto de lembrar daquela metáfora que a Sandra Bullock usa em "Divinos Segredos" para descrever as pessoas que vivem arranjando picuinhas pra se entreter: "eles mastigam o problema até perder o gosto e depois o grudam no cabelo"; e também adoro quando Alvo Dumbledore diz a Harry Potter, se não me engano em "O Enigma do Príncipe", que ele é um menino gentil, e que muitas vezes a gentileza é um virtude muito subvalorizada. Eu acredito no mesmíssimo.

A gentileza não só é uma virtude esquecida e marginalizada como ela vem sendo dia-a-dia ainda mais perdida. Ser gentil está quase virando um defeito, de tanto que todo mundo abandona o hábito. Ser gentil é quase... quase... como ser um idiota.

O pior é que a gentileza é uma daquelas virtudes que se pode aprender em qualquer parte da vida, se pode exercer sem custos, se pode promover em qualquer lugar, a qualquer hora, de um segundo pra outro. É rápida e fácil, mas ainda assim cada vez menos explorada.

Acho que todo mundo acaba se perguntando "mas pra quê?" ao pensar em ser gentil. Deixar aquela senhora passar na frente na fila "pra quê?". Ceder espaço na cadeira pro homem que leva muitas sacolas "pra quê?". Pra nada, eu acho. Só pra ser gentil mesmo...

Os dias vão nos levando a ser cada vez mais fechados, desconfiados, ensimesmados. Quando a moça embica o carro pra entrar na via, a maioria decide acelerar mais um pouquinho, em vez de deixá-la passar na frente. Leva-se pro pior lado possível - de que ela "levará vantagem" se entrar primeiro. Mesmo se tratando de 2 metros de diferença e 8 segundos de tempo a menos para chegar no destino. Dá no mesmo. Mas ser gentil "pra quê?".

Talvez a resposta seja "pra todo mundo entrar na mesma sintonia de respeito e deferência junto ao próximo"? Eu vejo a cara de estranhamento que o pedestre faz quando eu paro o carro e aceno pra que ele atravesse antes - mesmo sem semáforo, faixa ou guarda me obrigando a isso. As pessoas nem entendem mais o que é gentileza! Não praticam porque desconfiam e relutam em aceitar porque desconfiam mais ainda!

Desse jeito, logo vamos virar uma sociedade muitíssimo da estressada, da amarga. Em vez de sorrir pro outro humano, dizer bom dia e segurar a porta pra que ele passe, a alternativa será franzir o cenho, fazer cara de calçada e se arremessar adiante pra entrar primeiro? Eu recuso, obrigada. Ainda acho mais bacana me dispor a pagar o cafezinho, dar a carona, carregar o que é pesado, baixar o volume, responder um e-mail como se deve, ou só mesmo ligar, dizer umas palavras carinhosas, saber se está tudo bem, fazer um elogio, dar apoio a uma ideia.

Talvez adiante alguma coisa explicar que, sendo gentil, nos sentimos bem. É gostoso ser gentil, mas nem é só isso. Ser gentil não vai nos fazer melhor que os outros, mas isso traz, sim, uma grande sensação de liberdade. Dentre tudo o mais - a pressa, a fome, o saco cheio e o cansaço - eu escolho a gentileza. A gente pode escolher, a gente devia escolher. E sim, eu acredito, como Dumbledore, que isso é uma virtude das grandes.


Velhote sabido, ainda que fictício

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Então fica tudo como antes, ué

Tudo bem, eu sou viciada confessa em reality shows, mas me resta uma centelha de poder crítico sobre eles: a maior parte do povo que participa desses programas é bem cretina. E olha que nem estou falando do Big Brother.

Falo dos programas específicos que se dispõem a mudar alguma coisa na vida dos participantes voluntários. E são inúmeros. Eles querem dar um tapa na figura, na casa da figura, no cabelo da figura, nos filhos da figura... Bom, esses não levam um tapa do reality, só dos pais alucinados mesmo.

São dezenas de shows assim, que querem mostrar às pessoas como viver melhor em todos os termos - de ter uma alimentação mais saudável até um guarda-roupa mais ajeitado, passando por animais de estimação menos histéricos e garagens menos lotadas de tranqueira. Acho válido. Acho muito válido. Aparecem dicas até que bem boas por ali! Mas o pessoal que participa sempre acha de arrumar encrenca.

É incompreensível, eu juro. A mulher vai lá e se candidata a cobaia do "Esquadrão da Moda", um programa sabidamente comandado por sádicos fashionistas que não toleram camiseta com frase engraçadinha e sapato puído. Pois a doida vai, se habilita a participar e, quando o caldo começa a engrossar, quer pular fora. Quer vestir a mesma blusa apertada e reclama à beça do novo sapato de saltinho. E se recusa a cortar a juba e fazer uma maquiagem light. Então por que não ficou em casa, sendo um bicho-do-mato desbeiçado, em vez de ir lá meter as caras na televisão?

O mesmo acontece com os voluntários de realities sobre arrumação de casa. Pedem a ajuda do especialista em organização porque estão soterrados em baderna - e quando o sujeito começa a sujar as mãos e dar fim àquela balbúrdia de objetos que entulham a sala, o quarto, o sótão e o porão, quase caem no choro, se apegando como nunca à coleção de tampinhas de garrafa. Eu não teria paciência: diria logo "ok então, palhaço, fica aí morando no lixão, deixando seus filhos almoçarem em cima de caixas velhas".

Daí segue para a pessoa que recebe o chef de cozinha em seu restaurante falido e se recusa a ouvir as críticas, dizendo que "camarão com chocolate é um prato refinado e gostoso, sim!". E tem quem aceite participar do programa de emagrecimento, mas depois trapaceie nos exercícios físicos e reclame de trocar o frango frito na banha por uma salada de beterraba. Mesmo estando acima dos 140 kg. Ué, fica obeso, doente, cansado e anônimo então, cacete!

Aceitar fazer parte de um desses programas vai ter contra-indicações, é claro que vai. Eles querem mesmo é tirar o couro de quem se candidata - afinal, que graça teria deixar tudo como antes, servindo coxinha aos gorduchos e permitindo que a hipponga seguisse usando camiseta tai-dai pra trabalhar? Não, não: o pulo do gato dos reality shows desse tipo é tirar o sujeito daquela rotina destrutiva, sacando-o da zona de conforto e apresentando um admirável mundo novo. Muitas vezes, não um mundo muito mais incrível, mas apenas o mundo da maioria das pessoas.

Se isso tira a individualidade? Muito provável que sim. Se é um massacre psicológico? Bem provável. Mas então é bom pensar bem antes de embarcar, porque uma vez lá dentro não deverá ser como num Big Brother, onde o cara entra marombeiro bobão e sai marombeiro bobão. E isso parece uma boa coisa.


Não quer sua roupa cafona no lixo, não se candidate!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Alex "Atalho" e o potinho de caldo

Daí eu assisto descrente aquela propaganda da Knorr sobre um tal caldo que vem em potinho e parece uma gelatina (uma gelatina de grama aparada, diga-se). A descrença nem corre por conta do lançamento, porque esses "produtos-atalho", que servem para queimar etapas na cozinha na base dos conservantes, não são lá uma novidade. O que espanta é o garoto-propaganda do troço ser o renomado, tarimbado, celebrado e puxa-sacado chef Alex Atala.

Alex tem dois dos restaurantes mais famosos de São Paulo, DOM e Dalva e Dito, que já saíram em tudo quanto foi publicação gastronômica daqui e de fora. Uma vez - não como civil pagante, claro - eu já fui jantar magicamente no DOM. Como disse ao próprio chef na saída, ao lhe apertar a mão, a alegria da refeição não foi nem pelos pratos, que estavam simplesmente deliciosos, mas porque toda a degustação de oito porções foi como uma viagem, uma experiência. Foi bom demais mesmo - e ali eu entendi o porquê da fama do Alex. Ele tem a manha.

Só que aí, né... Bom, eu suspeito que esse negócio de manter o negócio custe muitos dinheiros. E tem a casa pra pagar, as escola dos meninos, uma viagem de férias pra Caxambu... E o Alex deve ter ficado tentado com o volume de verdinhas, umas sobre as outras, que a Knorr ofereceu pra ele ser porta-voz desse novo produto. Aceitou, assim, dizer em público que caldo pronto é uma boa pedida pra... pra... pra quê, mesmo?

A panela de carne que ele remexe no comercial parece apetitosa bem antes de ser colocada sobre ela aquela maçaroca esquisita. Se queria dar um toque de mais sabor, o nobre consumidor também poderia usar caldo feito em casa em vez de apelar pra gelatinazinha cor-de-burro-quando-foge. Mas que nada. Alex achou por bem recomendar o caldo pronto, coisa que eu não compreendo.

Caldo pronto tem sabor de graxa, pra começo de conversa. Aqueles tradicionais, quando "dissolvidos" (porque graxa não dissolve em água mesmo), formam uma borra nas laterais da panela, parecendo piscina de clube depois que a horda lambuzada de protetor solar mergulhou o dia todo. É meio nojento, vamos ser sinceros - e um recurso que só usa quem está no desespero de causa, com as visitas pra chegar e sem sal na despensa.

O novo caldo parece se dizer mais "natural". Porque é molenga, talvez, e não um tablete duro com cara de biscoito canino? Mas não é. Nada que fica na prateleira do mercado sem refrigeração e guardado num pote plástico com rótulo pode ser, assim, supernatural. Talvez tenha menos conservantes, mas ainda assim é um produto de fábrica, estabilizado e conservado e adicionado de trocinhos químicos.

Não que eu seja lá uma natureba de carteirinha que refuta caixinhas, pacotes e latas, não é isso. Mas, poxa... é um caldo, gente. Pra fazer um de verdade, leva nem cinco minutos - basta colocar um litro de água pra ferver com os legumes, a carne selecionada, ervas se for o caso, sal, azeite... É cuisine for dummies.

Quando faço sopa pra Sabrina, já separo até um pouco do caldo e congelo, que é pra ter uma porção prontinha na hora de fazer um risoto ou coisa assim. Não precisa ser muito esperto - e nem pagar o preço do caldo industrializado.

Daí o Alex vem com aquela história de ser mais prático, ser mais rápido, "agradar ao paladar mais apurado"... Ah, faz favor, hein, chef? Vergonha na cara, né? Duvido que lá no DOM qualquer um esteja autorizado a meter caldo Knorr nas panelas de cobre. E nem me venha com a desculpa do "mas restaurante é diferente, e a 'dona de casa' não tem tempo...". Tempo se arranja. Quem quer comer melhor, arranja.

A genial agência de publicidade da Knorr ainda tem uma pachorra extra: no canal GNT, passa o anúncio de um novo programa do chef inglês Jamie Oliver, no qual ele vai aos Estados Unidos se horrorizar com a merenda escolar e alimentação geral da nação. Pois acaba o teaser, lá vem o "Apoio: novo caldo Knorr...". E a cara do Alex Atala ali, servindo comida com caldinho pronto pras crianças. Bom dia, incoerência!

Minha opinião é que é desnecessário pra um chef de tamanho sucesso se prestar à função de propagandista de coisas que ele mesmo, aposto, não usa. Mas, né, quem sou eu pra dizer... Só alguém que acha meio desagradável dar aos filhos uma comida feita com caldo de caixinha. E você, o que acha?


Saúde e paladar se revolveram no túmulo, Alex...

terça-feira, 27 de julho de 2010

Holiday road

Além de cuidar das minhas meninas, escrever e ter sempre um bom objetivo futuro, meu moto de vida é viajar. Bastou passar um bonde aqui na porta - com destino a Moscou, Vegas ou Santa Rita do Passa Quatro - eu me atiço pra embarcar. E tem coisa melhor? Novas vistas, novas pessoas, novas experiências, novos conhecimentos, novas culturas. Em geral, eu confesso, prefiro embarcar nessas coisas todas a bordo de um grande passarinho de metal. Mas viajar de carro, opa, tem lá todas as belezas também! Eu as redescobri.

Porque quando eu era bem pequena, tudo o que a gente podia fazer era embarcar na Caravan bege do papai mesmo. Nada de passarinho de metal pra nós, éramos um bando muito custoso. De carro, a gente conheceu todo o interior de São Paulo e uma gorda parte do sul do Brasil, que meus velhos adoravam (e ainda adoram). Era divertidíssimo, lá pelos 6 anos, entrar nessa parada. Mesmo meu pai fazendo tão poucas paradas...

Eram looongas horas no banco traseiro ou mesmo no porta-malas - sim, a gente tinha comportamente periclitante nos anos 80. Talvez por isso, com o tempo, viajar de carro passou a ser um martírio. Um porre. Um saco do tamanho do Amazonas. Nem pegar o mapa rodoviário e encontrar nomes de cidades como Vira Onça, Canastrão ou Barcelona tinha mais graça. Nem contar os postes. Nem provocar a minha irmã, esporte favorito daqueles tempos.

E eu aposentei compridas viagens de carro da minha preferência. Dono da Casa sempre insistiu pra irmos mais vezes - "quem sabe Brasília? Quem sabe Curitiba? Vamos só até o Rio, vai?". E eu, que nada. Daí vieram essas férias, Sabrina doidinha pra ir dar umas bandas pelo mundo (porque quem sai aos seus não degenera) e... houve uma barriga de Olívia no meio do caminho.

Barriga esta que não cabe num avião. Vamos então... de carro?? Pois é, de carro. Eu mesma tive a ideia, escolhi lugar, pesquisei pousada. Devia estar possuída pelo espírito de meu pai. Mas pelo menos não fiquei reclamando do tamanho da mala de ninguém. E semana passada, assim, entramos nessa onda com gosto e tomamos o rumo da doce, iluminada e santificada Minas Gerais. Tiradentes, pra ser mais precisa.

Fazer malas foi facílimo, que eu estava é acostumada a compactar as posses pra caber no gosto das companhias aéreas - e, portanto, levar quanta roupa eu quisesse, quantas sacolas extras me aprouvessem e quantos bichos de pelúcia Sabrina desejasse foi uma farra. Fiz com gosto até o embornal de comidinhas pra devorar no carro, composto por muitos sucos, frutas resistentes e um pacote indecente de biscoito de polvilho!

Seriam quase seis horas pra ida, outras seis para a volta. E foram. Foram diversos CDs tocados, vários jogos de "adivinha o bicho" e "adivinha o objeto" com a insone Sasá, muitas horas de papo furado. Notei passarem os canteiros de morangos, depois os pés de laranja, depois os pés de café e então as centenas de vaquinhas leiteiras. Percebi que as viagens de carro podem mesmo ser cansativas, dolorosas até, mas que encanto pros olhos...

Nenhum avião pode fazer isso por nós. Ah, ok, eles podem nos levar sobre oceanos, coisa que a banheira do Dono da Casa ainda não faz, mas tem aquele lance de ficar confinado no ar cheio de vício, na poltrona apertada, com o banheiro limitado e a falta completa de vista. Pra não falar na comida de bordo, nos atrasos e na comissária com jeito de militar-poucos-amigos.

De carro a gente parou pra almoçar no posto e tomar picolé; esticamos as pernas quando bem entendemos, rimos dos carros superlotados de tralha, fotografamos a estátua do Pelé em Três Corações e paramos pra ouvir a conversa fiada do adorável proprietário do "Rei da Traíra" (que serve um prato só, tem nem cardápio, uma delícia!).

Foram cinco dias de diversão tranquila e encantadora na antiga Vila Rica, com muita culinária de fogão de lenha, muito passeio de charrete, muito sono, muito sol, muita água da bica. Foram também as tais 12 horas de viagem no carro. E foram fabulosas. Com elas, o moto de vida continua, agora com ainda mais possibilidades.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Respeitável público, bem-vindos ao espetáculo!

Vida de mãe é assim como... como... como comandar um circo. É sério.

São dias e mais dias trabalhando como malabarista, a princípio. A gente fala ao telefone sobre trabalho enquanto faz a lista de compras, nana o nenê no carrinho com o pé e mexe a panela de arroz com a mão que sobra. A gente cuida do fluxo diário da casa, coordena as atividades escolares da molecada, recebe e despacha entregadores de produtos, frita o peixe e olha o gato ao mesmo tempo. Os pratos - ou lenços, ou espadas, ou bolas - estão constantemente no ar pedindo pra serem mantidos assim, em movimento. Por vezes um despenca, e então o público grita aquele "óóó!" indignado. E emburra um pouco a mãe-malabarista.

Para essas horas temos a outra faceta, a de domadoras de leões. Muitas vezes já pensei em apanhar cadeira e chicote pra manter o povo faminto ou irado há uma distância segura de mim. Mas é preciso mais que isso, é preciso conquistar a confiança de todos na base do pulso firme, da voz mandona e do afago de recompensa. Dando certo, eles passam a deixar que eu coloque a cabeça na boca deles.

Mas, confiança conquistada, tem aquele porém: é preciso manter o padrão. E toca andar na corda bamba todos os dias, equilibrando a chatice com os gracejos, a ordem com o conselho e assim por diante. Chegando na outra ponta do fio, tudo bem; se acontecer a queda... bom, eu espero que o pessoal entenda e me dê aí a lambuja de uma rede de segurança.

É preciso ser um pouco contorcionista para cuidar de tudo com habilidade e ainda ver o pessoal sorrir. E é sempre bom fazer isso com a delicadeza de uma bailarina, pra não ser chamada depois de canhão-humano. Mesmo que, de vez em quando, o que a gente se sinta mesmo é... ah, meio palhaça.


Hoje tem marmelada? Todo dia tem, sim senhor!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Lucy

A Lucy me deixa meio louca às vezes. Mas como a Lucy é quem sabe melhor passar, melhor lavar, melhor esfregar, melhor tirar aquela camada de pó de dois dedos que se forma sobre meus livros, eu mantenho a Lucy sempre por perto.

A Lucy faz faxina aqui em casa tem pra lá de cinco anos. Ela chegou quando a Sabrina ainda era um bebê-minhoca que se contorcia pra pedir leite. E foi ela quem me deu água com açúcar pra beber quando a Sabrina rolou feito uma minhoca suicida da cama e caiu de cabeça no chão.

A Lucy me deixa muito puta quando ela quebra certas coisas que falam alto ao meu coração, como o carrinho que o Dono da Casa ganhou do pai dele ainda criança. A Lucy também me faz querer mastigar meu próprio braço de raiva quando sapeca uma blusa nova com o ferro ou quando está doente e não pode trabalhar - mas só me avisa isso aos 49 do segundo tempo.

Mas a Lucy cuida da minha casa como se fosse dela, isso eu acredito. Dá um duro danado, essa mulher, eu nem sei de onde vem tanta energia. Eu sou uns 40 centímetros maior que ela e certamente tenho uns bons 20 quilos a mais. Mas quando a vejo erguer a poltrona ou bater as almofadas, tenho a impressão que, num mano-a-mano, ela me daria um couro sem precedentes.

A Lucy é a única que eu tolero aqui em volta - e, mesmo assim, só uma vez por semana e por umas 7 horas no máximo. A gente nunca teve babá ou empregada fixa. O pessoal estranha muito, porque hoje em dia parece que a conta é: "ter 1 filho = ter 1 babá" e "ter 2 filhos = ter babá e empregada" (quando não é "ter filho, emprego e casa = ter babá, empregada, cozinheira, motorista, office-boy e o que mais comportar").

A maioria estranha, mas eu não. Trabalhando em casa, preciso de uma certa paz e rotina pra conseguir me concentrar. E só a Lucy já fala pelos 19 cotovelos dela. Não se enganem, eu falo pelos meus 28 cotovelos também. Mas a Lucy fala bem na hora que eu preciso despachar a matéria, ou colocar a Sabrina no prumo, ou resolver coisas ao telefone, ou quando estou do outro lado da casa (e preciso voltar pra ouvi-la falar mais o final do assunto).

E olha que a Lucy fala que fala e fala pacas de doença. Tem sempre um achaque, essa mulher. Mas eu acho que a maioria é piração, porque a Lucy tem a mente mais hipocrondríaca que a minha. Olha que pra EU dizer pra alguém "deixa de bobagem, você não tem câncer, olha aqui o exame!" é um avanço.

Mas acima de tudo e apesar de tudo, a Lucy é quem vem aqui fazer aquilo que eu não consigo e não sei fazer pra deixar a nossa casa em ordem, cheirosa, brilhante. Eu nem preciso dizer o que ela deve fazer. Aliás, eu não saberia dizer - primeiro porque ela sabe melhor, segundo porque eu sou um horror pra mandar nos outros. Ok, mandei em alguns estagiários, alguns repórteres... mas era na minha área. Mandar usar detergente em vez de sapólio, papel em vez de paninho, água em vez de cera... Isso eu deixo pra Lucy resolver. Mesmo que às vezes me pegue pensando "porra, quem manda em quem por aqui??".

É que ela me deixa louca às vezes, mas tem coisa que não se discute com uma mulher forte, decidida, meio pirada e com 40 anos de trabalho, literalmente, nas costas.


A mão que tanto me ajuda

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Em fuga


Eu queria saber o que a gente faz quando recebe o primeiro bilhete da filha dizendo, com suas próprias letras e palavras figurativas, "Oi, eu vou pra casa da Vovó".

Chamo os tiras? Dou de ombros e espero passar? Procuro saber se ela levou meu cartão de crédito na viagem? Bom, talvez tudo isso seja inútil, e o mais importante seja ter uma boa conversa e dar um colinho de consolo. Afinal, o motivo da fuga anunciada foi apenas um desentendimento bobo sobre brincar com água em cima da cama.

Mas uma coisa eu sei: que orgulho me dá conviver com essa garota tão rara e docemente rebelde...

PS.: Ela decidiu não ir ainda pra casa da Vovó e segue vivendo por aqui. Mas avisou que vai se mandar quando tiver 18 anos. Eu acredito que vá mesmo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A bundamolice se apresenta

Eu era impávida. Nada me fazia parar. Dirigia 500 km só para ir a uma festa, de noite e na chuva. Voava o mundo inteiro naquela poltrona ridícula da classe econômica achando tudo incrível (e dormia como bebê). Encarava toda sorte de reportagem perigosa, entrevistava todo tipo de malandro, sacava dinheiro no caixa eletrônico à meia-noite sem nem olhar pros lados, via TV de perto e comia fruta sem lavar. Eu fui valente. Mas já faz alguns anos que desenvolvo preocupação, temor e reserva. Enfim, virei uma grandecíssima bunda-mole.

Quando eu era criança, apesar da timidez, sempre acabei me enturmando com um bom número de gente. Até entrava nos desafios da molecada da rua, o que acabou me rendendo um total avantajado de pontos espalhados pelo corpo. Destemida, tirei partidas de futebol e basquete com os meninos, corridas de patins e bicicleta com crianças maiores e até umas provas de resistência como "quem consegue comer um picolé em dois minutos". Era exporádico, é verdade. Mas acontecia. Era minha mente tentando superar o medo e a vergonha.

Em boa parte, até que superei. Adolescente, tinha umas ideias meio estúpidas de ir tomar suco no centro da cidade no sábado depois das 22h sem contar pros meus pais. Embarcava em qualquer viagem que me convidavam, fosse pra pegar ônibus, trem, táxi ou caminhar por 3 horas. Já mais velha, tive até um namorado ainda mais intrépido que fazia parte de um grupo que explorava cavernas.

E fui junto, me afundando no centro da Terra em meio a água, lama, frio, equipamento discutível, morcegos, peixes cegos e pedras temerariamente pontiagudas. Ali também desci rios usando bóias capengas e luxei tudo o que foi extremidade despencando de cachoeiras e escalando paredes. Usando umas cordinhas finas da porra!

Lembrando agora, é até difícil acreditar que fosse eu mesma fazendo aquilo. Hoje penso no dia em que o carro quebrou na estrada tarde da noite e eu ainda fiquei discutindo com um mecânico imundo e perneta sobre o preço do reparo. Eu não faço mais isso. Atualmente, vamos dizer assim... eu criei tenência.

Foi depois de formar família, eu acho. Pode parecer piegas, mas foi isso: ter marido, filhas e contas a pagar me fez um ser muito mais bunda-mole. O Dono da Casa viaja pelo menos duas vezes ao mês de avião - e eu já nem sei com quantos santos me peguei pra esse cara não terminar no fundo do Atlântico ou despedaçado numa selva. Saio pouco à noite, pensando muito em "não dar mole pro azar". Com a Sabrina no carro, dirijo feito uma idosa.

Fico preocupada em guiar mais rápido até mesmo sozinha - pensando "e se eu me acidento aqui, quem vai vestir o pijama certo nessas meninas??". E na hora de fazer comida... bom, a preferência vai pro que parece bom e saudável, assim eu posso tentar burlar umas doenças aqui e ali.

Não, eu não sou mais impávida. O tempo me fez mais contida e prudente, mais receosa e muito mais prevenida. Não quero passar por perrengues sérios e ficar longe dos meus queridos - apesar de, no fundo, saber que isso pode acontecer até quando tomo banho naquele box liso do inferno. Por outro lado, é muito, muito bom ter a lembrança dos "dias insanos". Mas que fiquem só na memória. Tudo tem sua hora, né? E por falar em hora, deixa eu ir ali checar se o Dono da Casa chegou bem ao destino. Bunda-mole que se preza sempre checa.


To serve and protect

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Meninos, meninas... quem tá contando?

O tempo da gravidez é legal por muitos motivos. E meio pentelho por outros tantos. Falemos desses últimos, muito mais pitorescos!

O caso nem são os enjôos do início, a azia dos meados ou a circunferência de rolha de poço do final. O caso mais grave são as pessoas ao redor mesmo. Não todas, lógico. A maioria, sejamos justos, é bacana demais - sempre dando força pra que os 9 meses corram bem e alegres. Mas é que tem gente...

Bom, é assim: tem gente que sempre sabe o que dizer (pra animar e engrandecer a coisa toda); tem gente que nunca sabe o que dizer (principalmente nos episódios ruins, e aí apenas se calam, muito compreensível); e tem gente que só diz merda (com o perdão do meu francês).

Parece que eu sou meio para-raios dessa última turminha - e toca ouvir histórias escabrosas, conselhos estúpidos e dicas dispensáveis de toda sorte. Por exemplo: teve uma que perguntou de quantos meses eu estava. "Cinco meses", disse contente. E então ela engatou um "ixi... mas sabe que uma conhecida minha perdeu o bebê justo nesse período, quando pensou que todo o perigo já tinha passado?". Retrucar o quê, né?

Têm aqueles que me dizem pra não prender a chave na cintura da calça como sempre faço, porque isso faz o nenê nascer com lábio leporino (?). Têm aqueles que me dizem pra mimar bem a Sabrina, senão ela vai ficar com ciúmes da irmã e isso fica pra sempre "marcado no psicológico dela" (??). Eu explico que "o psicológico" da Sá é muito mais evoluído que isso. Mas eles não querem saber.

Essas pessoas só querem é falar mesmo. Como um desabafo, uma extravasada, uma erupção de sabedoria torta, eu acho. E os que me deixam mais incrédula são os que comentam sobre o sexo da criança.

É que assim que eles perguntam e eu respondo "é menina", costumo ouvir uma saraivada de coisas estranhas. Muitos já vão até meio de chofre e se dividem entre "ahh... você preferia um menino, né, por já ter uma menina?" e "ahh... tudo bem, o próximo vem menino! Você vai tentar um menino?".

NÃO ENTENDO esse negócio de "tentar" o sexo oposto ao previamente obtido. Veja, não é uma loteria, que demanda muita perseverança, ou a compra de um carro novo! Eu não tinha uma minivan e agora vou "tentar" um esportvivo! Eu tive uma menina - linda, doce, esperta e que me ensinou tudo de melhor - e fiquei grávida de novo, só isso. Um menino me deixaria muito feliz, seria meu filho querido do mesmo jeito. E outra menininha... bem, eu considero é sorte demais.

Mania do povo é achar que vivemos na Arca do Noé, com todo mundo necessitando de pares e essa simetria tola. Eu não preciso. Não fico nem julgando aqueles que tem uma prole de seis garotos e ainda acham ponderado "tentar uma menina", mas... sério, isso é necessário? Ou devemos curtir os filhos que vierem, do modo que vierem, pelos melhores motivos e num volume que sejamos hábeis pra prover, cuidar e ensinar?

Para esses, só posso dizer uma coisa: criar meninos e criar meninas não precisa ser tão diferente assim - e, portanto, um desafio a cumprir em "tentativas". Bom mesmo é curtir as peculiaridades de cada criança, que sempre sempre sempre serão únicas, cada qual no seu tempo. Ah, e também posso dizer que também seria bom deixar as mães passarem por tudo isso, da barriga em diante, sem ouvir muitas besteiras. Elas realmente não precisam dos enjôos, da azia, do peso extra e ainda mais dessas barbaridades, né não?

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Esse mundo é uma bola

Nesses tempos de Copa do Mundo de Futebol, eu grudo na televisão como bala de leite no molar superior. Não só porque adoro assistir jogo de qualquer coisa na TV, mas também porque vejo parte do planeta entrar em campo. Ah, ok, eu sei que não é assim uma graaande parte do planeta que entra em campo. Está mais pra uns 32 times de 22 idiotas cada. Mas a representatividade de culturas ainda me encanta nesse show de imagens. Imagens que não advêm da tecnologia, não, porque estão lá desde que a Copa é Copa.

Sinto alegria de ver o sangue quente dos italianos e dos espanhóis disputar cada lance (e a revolta deles em perder tantos bons lances). Fico animada de notar o esforço de todas as nações africanas e asiáticas - que parecem ter aprendido ontem o que eram aquelas linhas brancas no chão e a coisa redonda a rolar dentro delas, mas ainda assim se mostram dedicadíssimas. Tenho prazer real em perceber até ingleses e alemães, essa gente que é puro contrasenso (tão contidos e sérios e ao mesmo tempo tão brigadores e... bem, tão chegados numa 'breja').

Tenho orgulho do Brasil, não importa o que digam. Fico vendo aqueles rapazes simples que ganham incontáveis sacos de verdinhas mundo afora mesmo tendo nascido numas bibocas tristes que só vendo. Eles são uma tradução clara de seu país, como também são os argentinos (muitos dos quais nasceram em uma semelhante pobreza de dar pena, mas devem ter sido grelhados em alguma churrasqueira do orgulho, porque jamais perdem a fleuma).

Gosto de ver os norte-americanos fingindo que sabem chutar aquela bola, quando na verdade queriam é colocá-la debaixo do sovaco e correr orgulhosamente até a última linha do campo (usando capacete, possivelmente). Gosto de ver os uruguaios: carniceiros, raivosos, mal-intencionados e com uma latinidade especial, de quem jantou um suíço ontem mesmo.

Eu gostei até de ver o jeito de ser e viver dos franceses tão explicitado. O esquadrão bleu botou pra quebrar e lavou um tanque inteiro de roupa suja em público. Uma rusga interna virou outra, que virou outra, que veio à tona, que virou motim, que terminou em um fuá sem precedentes. Se rebeldia fosse esporte, a França era medalha de ouro! E tem coisa mais francesa?

Copa só serve, tecnicamente, pra apresentar ao mundo quem é mesmo o bom da bola. Mas para aqueles que quiserem prestar uma atenção maior, ela pode mostrar bem mais. Pode mostrar o espírito de cada nação presente. Esse, pra mim, é o maior show de imagem.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Se quiser falar com Deus...

Enquanto toma banho, Sabrina viaja pensando na vida - e no plano espiritual, nas grandes questões, no regimento universal... Eu só acompanho. E tento ajudar.

- Mãe, quem inventou a luz?
- Aquela da lâmpada? Foi um moço muuuito genial chamado Thomas Edison, Sá.
- Isso você já me disse, mãe. Eu queria saber quem inventou a luz mesmo...
- A luz... a luz? Ô, filha, a luz... surgiu! É como perguntar quem inventou as montanhas, o mar... Foi o universo, tudo veio com a natureza.
- Eu acho que quem inventou a luz foi Deus.
- Ah, bom... É uma explicação também. Pode dizer assim, sim, que foi Deus.
- Porque ele mora lá no céu e pode fazer de tudo, porque é invisível!
- Bom, eu não acho que Deus é exatamente assim não, sabe. Acho que na verdade Deus vive dentro de cada um de nós, pra dizer pra gente o que é certo e o que é errado, pra nos ajudar e...
- ... e aí ele fica lá em cima, tomando conta de todo mundo que morre!...
- ... mas não sei se Deus é assim, um homem que...
- ... e aí ele pode fazer luz, sombra, as coisas!...
- Ai, Sabrina, assim é fogo, você não conversa, você só quer falar, filha! Esse papo já é complicado, e se a gente nem se escutar, né? Poxa... acabou a conversa, vai, se enxágua.
- Ah, não, mãe!! Desculpa, continua, vai! Olha: Deus aqui dentro de mim acabou de dizer 'escuta mais e fala menos!'. Viu?

Tem como não AMAR a sabedoria dessa criatura de Deus?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Um pedaço de verde

Os primeiros escritores que falaram sobre esse tema, séculos atrás, chamavam a jardinagem de "terceira natureza humana". A primeira, eles definiram, seria a nossa vocação selvagem; a segunda, o cultivo agrícola. E em terceiro veio essa atividade que muitos julgam pura matada de tempo senil - mas que, na minha opinião, é de uma necessidade visceral pra boa saúde interior. Seja fazendo, seja só convivendo.

Fazer um jardim de fato, cultivar vasinhos, criar uma horta, eu confesso, não é uma coisa na qual eu me destaco muito. Pra dizer a verdade, já cheguei a cogitar se teria "o dedo podre". Seria o contrário do Tistu, aquele menino que tinha o dedo verde e, onde metia a santa mão, fazia nascer vida. Toda plantinha que eu decidia manter, morria uma morte agônica. Felizmente, pelo advento da insistência e da perseverança, eu acho que isso é passado.

Lá no sítio do meu pai, a coisa que mais gosto é de ajudar com os canteiros hortículas e ornamentais - divididos entre o Véio, que curte horrores prover a casa com suas ruas de alface, almeirão, berinjela, temperos etc., e a Véia, mestra na arte de fazer uma floreira vibrante e colorida. Só consigo é ajudar mesmo, não decidir por conta própria que mudas comprar ou onde plantar. Isso, acho, é capacidade que se adquire com muita leitura, experiência e tempo de vida. Eles sabem onde cada espécie se dará melhor, em que época, com qual terra e quantidade de água. Eu só faço o que me mandam.

Mas mesmo sem o dom nato, aprendi a apreciar. O Dono da Casa, doido das plantas, é objeto de admiração pra mim. O danado aprendeu tudo sobre bonsais - e pratica à beça o cuidado com essas arvorezinhas esquisitas e atrofiadinhas em estilo japonês. O sujeito é capaz de varar o mundo em busca do melhor regador, dos alicates certos e de uns arames muito loucos. É como um torturador insaciável! Eu admiro mesmo. Mas minha única função para com esse pessoal que dominou nossa sacada é a rega nos dias em que o Dono da Casa viaja. Confissão: mesmo com essa ínfima responsabilidade, me pelo de medo de matar as bichinhas por inanição ou afogamento.

Porque jardim precisa ser viçoso, né? Aqui no prédio, quando chegamos pra morar, me deprimia ver a suposta "área verde" da entrada tão abandonada. Era um terrão largado, cheio de ervas daninhas, folhas amontoadas e umas espadas de são-jorge que já não defendiam a honra de ninguém. Reformamos - e dali em diante o jardim virou um ponto de parada no quarteirão, com a pitangueira em profusão, o gramado esforçado e as rolinhas fazendo festa.

Impressionante como a alegria vem junto com uma mera área verde dessas. É parar num jardim - num parque, numa horta ou, que seja, do lado de uma samambaia - pra reparar nos detalhes e se encantar. Não é a toa que alguns dos lugares mais lindos que visitei tinham a ver com o verde. O jardim de Versailles; o jardim de Boboli; o Central Park; o Hyde Park; o Jardim Botânico de São Paulo, que graças aos céus fica aqui bem mais pertinho.

E pra se encantar nem precisa tanta milhagem, viu... Ter em casa um grupo de violetas em flor, uma carreira de ervas pra cozinhar ou um limoeiro plantado no vaso já dá uma alegria que só vendo. Cuidar todos os dias, além de tudo, traz uma deliciosa sensação de compromisso entre você e a coisinha enraizada.

E eu sei que praticar a jardinagem ou qualquer tipo de cultivo ficou registrado como atividade de velhinhas bem velhotinhas mesmo. Minha aposta? Que essas velhinhas só alcançam tamanha longevidade porque se dedicaram à uma atividade tão bonita e recompensadora. É arregaçar as mangas e viver pra sempre por meio do verde.


Bem aventurados os amigos do verde!